Portugal foi esta semana o primeiro país europeu a passar pelo teste do Universal Health and Preparedness Review, um novo mecanismo da Organização Mundial de Saúde para avaliação da preparação para emergências de saúde. Os resultados vão ser levados à Assembleia Mundial de Saúde no fim do mês. No final dos trabalhos, Stella Chungong, diretora para a Segurança em Saúde da OMS, destacou lições positivas, mas alertou que a covid-19 mostrou os limites dos recursos humanos do país. Rui Portugal, subdiretor-geral da Saúde, na DGS desde o verão de 2020, liderou os trabalhos a nível nacional.
Como se saiu Portugal?
Houve questões muito apreciadas, outras que é preciso reforçar. Houve por um lado um conjunto de exercícios em que reunimos os parceiros e somos testados para uma situação, neste caso surtos de dengue. Vimos que há insuficiências de articulação, de coordenação, de comunicação e por vezes até de identificação dos parceiros que podem dar a melhor resposta, que é algo em que podemos trabalhar. Houve depois visitas regionais e a equipa da OMS teve também a oportunidade de ter uma entrevista com a ministra da Saúde e de fazer uma visita à comissão parlamentar de saúde – e portanto de ver o nível de compromisso político que existe em Portugal nesta área e penso que ficaram satisfeitos. Para já ficam desta experiência duas ou três coisas: por um lado, que as lições apreendidas da covid-19 têm de ser sustentáveis. Foi reconhecido um salto digital muitíssimo forte, quer na saúde pública, quer na gestão de camas hospitalares e muito especialmente nas soluções criadas no atendimento do SNS24. Por outro lado foi muito claramente reforçado pela equipa da OMS a vantagem de termos uma saúde pública organizada em termos de autoridade de saúde há mais de 100 anos. Temos uma rede de proximidade, que é onde se resolvem os problemas.
Do lado da saúde pública ouvimos muitas vezes queixas sobre a falta de pessoal.
O problema dos recursos humanos foi claramente identificado e a diferentes níveis. Por um lado pela sua escassez, por outro, pela a dificuldade de contratar profissionais de outras áreas que podem ser relevantes na resposta para além de médicos e enfermeiros. Outra área em que há um esforço a fazer é nos sistemas de informação, para que possa ser extraída informação relevante quer para vigilância epidemiológica, quer para intervenção.
Pode dar um exemplo?
Temos dados nacionais, regionais mas não temos dados por condição social.
Não conseguimos perceber o quão mais afetada pela pandemia foi a população mais pobre?
Não só pela pandemia mas por outras doenças, por doenças cardiovasculares, etc. Precisamos de ter capacidade de monitorização para podermos ter um acompanhamento mais próximo das populações mais vulneráveis. Uma outra área em que foi reconhecido que Portugal tem de fazer um esforço é na definição de prioridades, não só quando se está a lidar com uma situação de emergência mas quando se decidem os investimentos de saúde. Fará sentido termos tantos programas prioritários de Saúde? Sabendo que não temos muitos recursos, se tivermos prioridades bem definidas, cada uma delas terá mais recursos. Foi também abordada a necessidade de termos orçamentos mais delineados e focados para cada tipo de resposta, por área de intervenção e não orçamentos diluídos – e de haver um reforço desses orçamentos, nomeadamente na área da saúde pública. Já agora, perceberam que o treino e capacidade dos nossos recursos é muito boa – por graça fui dizendo sempre que sim, mas que uma das condições desta visita era que não viessem cá recrutá-los (risos).
Durante a pandemia a própria DGS perdeu quadros para o estrangeiro. Não conseguem retê-los?
Não foi algo focado especificamente mas é verdade que a administração direta do Estado se rege por leis próprias cuja flexibilidade não é equivalente a empresas públicas e empresariais. Não tem, em muito aspetos, a competitividade de outras organizações e com certeza que isso será melhorado porque tem de ser, não só na DGS mas noutros departamentos de saúde pública. Note-se que uma das perspetivas da OMS e que foi muito falada é a necessidade de articulação de todos os ministérios e de se resolverem os desafios com parcerias. Termos sido o primeiro país europeu avaliado vai dar-nos agora exposição e também será importante perceber a nível europeu o que será feito para contribuir para estes reforços que são apontados como necessários. Não se trata apenas de uma aprendizagem para Portugal, é algo bidirecional.
Acredita que este trabalho terá consequências, que o país estará melhor preparado?
É importante que a memória fique e com certeza que ainda há muita avaliação a ser feita. Esta é uma de muitas. O que esta tem de interessante é ter sido feita por uma entidade internacional. Agora temos de ter alguma cautela: estamos num projeto piloto, por isso ainda nem todos os instrumentos estão consolidados. E sendo os primeiros na Europa, não há muitos elementos comparativos. Mas foi um bom começo e a verdade é que estivemos disponíveis. Vamos poder partilhar esta experiência e até poderemos apoiar outros países neste tipo de revisão.
Isso dá também a responsabilidade de as conclusões não caírem em saco roto?
Também. E ao mesmo tempo, sendo nós colaboradores de outros países, vamos aprender mais.
Os casos de covid-19 estão de novo a subir. Estava à espera?
Depois do jogo toda a gente sabe o resultado. Sabemos bem o quão pouco conhecida ainda é a dinâmica desta epidemia, agora obviamente que, havendo um aligeiramento das medidas de proteção em saúde pública, era natural que houvesse um recrudescimento. Pode pôr-se a pergunta de outra maneira: porque é que andámos com tantas restrições se ficámos na mesma? Penso que o que devemos retirar é que sabemos que temos ainda um nível de transmissão elevado e que as medidas são eficazes. A sociedade portuguesa tem de conseguir adaptar-se ao risco em cada fase.
Foi cedo para acabarem os testes gratuitos?
Neste momento temos uma testagem muito dirigida a quem tem sintomas, que pode ligar para o SNS24. Sabemos que reduzindo a testagem, há muitas pessoas assintomáticas que estarão numa fase de transmissão e não são reconhecidas como tal. O que importa cada cidadão perceber é que se vai estar com alguém vulnerável, pode sempre fazer um teste, para que não seja um risco.
Acabarem os testes gratuitos não passa a mensagem contrária?
Não creio, o que se pretende transmitir é uma maior responsabilização e um maior alívio porque sabemos que na primavera/verão a transmissibilidade é menor do que noutras alturas do ano. É uma questão de assumirmos mais ou menos risco em cada fase, como outros países fizeram conforme as suas culturas, recursos e olhando uns para os outros. Há uma fatia destas decisões que é de base científica e outra que tem em conta todos estes fatores. O poder político tem sempre uma palavra a dizer, em Portugal e em que qualquer outro país da Europa.
Foi discutido se a DGS teria sido desautorizada com o fim das máscaras.
Não o vejo dessa maneira, há um conjunto de locais onde as máscaras se mantêm recomendadas. As medidas são tomadas em função da avaliação que é feita em cada momento. E não nos podemos esquecer que há uma fadiga em relação à pandemia e as medidas têm de ter isso em conta.
Na Austrália já se ouvem apelos ao regresso da máscara este inverno. Poderá acontecer o mesmo cá?
Não se pode pensar que em situações epidemiológicas de muito risco não voltaremos a usar máscara. Vamos ter de aprender, eventualmente com o outros países já o fazem há muitos anos, e decidir.
Ficou conhecido pela recomendação das compotas. Que memórias lhe trazem esses dias de dezembro de 2020?
Pergunte às pessoas que foram infetadas nesse Natal por comportamentos de maior risco. E às pessoas que se pouparam por maiores cuidados. Isto é tudo pelas pessoas, é cada um que vale, não é o método de comunicação.