Nova administração do Montepio debaixo de fogo

Um dos nomes eleitos poderá sofrer entraves por parte do Banco de Portugal. Isabel Silva poderá não cumprir os requisitos de idoneidade, nem dos anos de experiência exigidos.

A nova administração do Banco Montepio já é conhecida, mas poderá vir a provocar verdadeiras dores de cabeça. Dos 15 elementos da atual administração há dez que estão de saída. Ao que o Nascer do SOL apurou, Isabel Silva, nomeada para vogal da comissão executiva da instituição financeira poderá vir a sofrer entraves por parte do Banco de Portugal, quando o banco central estiver a avaliar os requisitos de idoneidade, qualificação, experiência profissional, independência e disponibilidade dos membros dos órgãos de administração.

O banco central pressupõe que quem venha exercer este tipo de cargos tenha cinco anos de experiência prática recente em domínios relacionados com serviços bancários ou financeiros, em cargos de direção de topo – um nível abaixo do órgão de administração na sua função de gestão­ – e em relação ao conflito de interesses, deve apresentar um pedido de avaliação da adequação e idoneidade. Isto significa que a entidade supervisionada deve fornecer informação sobre todos os conflitos de interesses reais, potenciais ou presumidos, independentemente de considerar um conflito de interesses material ou não. Isto é, terá de estar em conformidade com as orientações conjuntas da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e da Autoridade Bancária Europeia (EBA) sobre a avaliação da adequação, um conjunto mínimo de informações, a fornecer pela pessoa nomeada e pela entidade supervisionada. É considerado relevante para a realização da avaliação a descrição de qualquer relação empresarial, profissional ou comercial nos últimos dois anos com a entidade supervisionada, a empresa-mãe ou filiais destas.

E é aí que a nomeação de Isabel Silva poderá vir a criar problemas. Ao que o nosso jornal apurou, a agora nomeada administradora era diretora adjunta da direção comercial Norte e Centro, até 15 de outubro de 2021, altura em que foi nomeada para diretora de primeira linha por Pedro Leitão e, ao mesmo tempo, convidada pelo presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, Virgílio Lima, para integrar a lista A para a Assembleia de Representantes da Mutualista . Isto revela que a responsável não está a cumprir os requisitos exigidos pela entidade liderada por Mário Centeno: não tem cinco anos de experiência, tal como é exigido, nem a independência, uma vez que exerce um cargo na dona do banco.

Esta nomeação terá surgido depois de Vítor Cunha, ex-diretor comercial Norte e Centro, ter sido afastado, tendo sido proposta uma rescisão por mútuo acordo, após ter recusado fazer parte da estratégia a montar por Pedro Leitão e Virgílio Lima para a promoção da Lista A junto das equipas comerciais a norte. Uma decisão contra as normas emitidas pelo Banco Montepio, na altura da eleições, que numa diretiva enviada aos trabalhadores disse que pretendia «prevenir conflitos de interesses e assegurar a total isenção e independência do banco no ato eleitoral; separar o exercício de funções no banco da participação no ato eleitoral – seja enquanto candidato ou através de envolvimento em ações de campanha», referindo que não deviam «ser utilizados quaisquer meios do banco para realizar ações de campanha; não efetuar declarações públicas que desrespeitem a dignidade das funções exercidas no banco que afetem negativamente a perceção do público sobre as mesmas ou prejudiquem a imagem e a reputação do banco».

O nosso jornal apurou que foi ainda notória a ‘presença assídua’ de Isabel Silva nas ações de campanha eleitoral da Lista A de Virgílio Lima, bem como a sua participação em ações que Pedro Leitão promoveu durante a campanha eleitoral, ‘sob a capa’ de reuniões descentralizadas da comissão executiva do Banco Montepio. E levou também a cabo cobertura a ações desenvolvidas pelos promotores mutualistas, chefiados por Cláudia Oliveira a Norte, que terá inclusivamente montado um call centre para ligar a Associados no sentido de votarem na Lista A.

Isabel Silva acabou por ser eleita para a Assembleia de Representantes e depois escolhida por esta Assembleia para fazer parte da mesa, a que preside Edmundo Martinho. Recentemente, por comunicação dirigida ao Conselho de Administração do banco, o Departamento de Supervisão do Banco de Portugal veio a considerar incompatível o exercício de funções de Isabel Silva na Assembleia de Representantes por existência de manifesto conflito de interesses.

 

O peso da Assembleia de Representantes

A Assembleia de Representantes é o novo órgão associativo da Associação Mutualista Montepio Geral, sendo os seus 30 membros eleitos pelo método de Hondt. É neste órgão que são debatidos e votados documentos fundamentais da vida da mutualista Montepio (que até à mudança de estatutos tinham de ir a Assembleia Geral).

Uma alteração que, tal como o nosso jornal tinha avançado, esteve longe de criar consenso. Mas o que esteve em causa? Esta Assembleia de Representantes terá de ser composta por 30 membros – dos quais 15 têm de ser associados há mais de dez anos e outros 15 há menos de dez anos –, cuja lista terá de contar com 500 assinaturas. E cada lista teve de reunir cerca de 50 elementos. Além do presidente, secretário e dois suplentes, terá ainda de incluir vários representantes, totalizando os tais 50 membros.

Mas as alterações após a aprovação dos novos estatutos não ficaram por aqui. Passou também a existir uma limitação no número de mandatos (três mandatos). Além disso, foram introduzidos critérios de elegibilidade mais exigentes para os titulares dos órgãos sociais. Para reforçar e garantir a sustentabilidade dos produtos das mutualistas, foram introduzidos mecanismos automáticos de reequilíbrio entre quotas e benefícios das modalidades que os associados podem subscrever.

A Associação Mutualista registou um prejuízo consolidado de 86 milhões de euros em 2020, após um lucro de nove milhões de euros em 2019, penalizado pelas perdas de 81 milhões de euros do Banco Montepio. «Em 2020, o resultado líquido consolidado do MGAM [Montepio Geral Associação Mutualista] foi negativo, em -86 milhões de euros, valor muito superior aos -18 milhões de euros registados em base individual», disse, na altura.

Segundo a mensagem de Virgílio Lima, tal deveu-se, «sobretudo, aos efeitos extraordinários do contexto pandémico nos resultados consolidados do Banco Montepio, que atingiram -81 milhões de euros, designadamente, por via dos montantes extraordinários de imparidades de crédito constituídas, entre outros efeitos adversos».

Já o Banco Montepio conseguiu inverter os resultados, passando de prejuízos de 80,7 milhões em 2020 a lucros de 6,6 milhões de euros em 2021. «Esta evolução favorável está suportada no aumento da margem financeira e das comissões, na redução dos custos operacionais, bem como nas menores dotações para imparidades e provisões, com destaque para as relacionadas com o risco de crédito», disse, na altura, a instituição financeira.

 

Renovação

A nova administração foi reduzida para 12 membros, menos cinco face ao início do mandato anterior, e é constituída por, além de Manuel Ferreira Teixeira como chairman, sete mulheres e quatro homens. São eles: Ângela Isabel Sancho Barros; Clementina Maria Dâmaso de Jesus Silva Barroso; Eugénio Luís Correia Martins Baptista; Florbela dos Anjos Frescata Lima; Helena Catarina Gomes Soares de Moura Costa Pina; Isabel Cristina dos Santos Pereira da Silva; Jorge Paulo Almeida e Silva Baião; José Carlos Sequeira Mateus; Maria Cândida de Carvalho Peixoto; Maria Lúcia Ramos Bica e Pedro Manuel Moreira Leitão.

O banco Montepio disse ainda que «a comissão executiva será eleita entre os membros do Conselho de Administração» e que Pedro Leitão se mantém como CEO.

Além do conselho de administração, foram também eleitos os membros da Mesa da Assembleia Geral, da Comissão de Auditoria e da Comissão de Vencimentos. António Manuel Lopes Tavares é o novo Presidente da Mesa da Assembleia Geral e Clementina Maria Dâmaso de Jesus Silva Barroso será a Presidente da Comissão de Auditoria.

A Associação Mutualista do Montepio revelou também que «o exercício de funções pelos membros do conselho de administração (incluindo a Comissão de Auditoria) fica expressamente condicionado, nos termos legais e regulamentares aplicáveis, à obtenção de autorização prévia para o respetivo exercício de funções concedida pelo Banco de Portugal».