por Roberto Knight Cavaleiro
Durante o ano de 2021 foi realizado um animado debate entre académicos sobre uma tese publicada pelo lexicólogo Dr. Vitor de Sousa que procurava uma tradução e interpretação mais clara do substantivo descritivo “Portugalidade” cujo primeiro uso registado data do período pós II Guerra Mundial no Estado Novo. A ostentação de Portugal como líder mundial, tanto pela extensão dos territórios sob seu controle, quanto pelo número de cidadãos que falavam português como primeira língua, era um traço essencial da propaganda do regime, na medida em que o conceito de identidade nacional com uma psicologia social e uma cultura que se estende do Minho a Timor no leste (e ao estado independente do Brasil no oeste) foi considerado um fenómeno mundial. Jamais serão esquecidos os dias do império e a prosperidade que trouxe à pátria; se não aos territórios vassalos.
Após a Revolução dos Cravos a palavra perdeu popularidade como instrumento de orgulho nacional, mas recentemente foi revivida em discursos proferidos pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e ministros do governo com uma aparente nuance semiótica de significado pós-colonial para incluir tudo o que pode ser valorizado patrioticamente como sendo tipicamente de carácter português.
A versão inglesa publicada do ensaio do Dr. de Sousa intitula-se enigmaticamente “Portugality : a nothingness that is nothing” (um nada que não é nada) o que parece sugerir que a diversidade étnica e cultural que se encontra no Portugal moderno não constitui um denominador comum nem aqui nem globalmente. Uma resposta surpreendentemente grande a isso veio do público internacional que se inscreve no Academia.org. Inevitavelmente alguns comentários foram irreverentes com referências a pastéis de nata, Benfica e os retractos emblemáticos de Uncle Sam e John Bull comparados ao gentil Zé Povinho. As invocações do fado, da arte de Paula Rego e da literatura de Camões, Pessoa e Saramago eram frequentes e indicam como os forasteiros vêem o Portugal moderno.
O ensaio fotográfico de Michael Teague “In the Wake of the Portuguese Navigators” (Na esteira dos navegadores portugueses) é um excelente exemplo de como a arquitectura de fortes, igrejas, palácios e habitações humildes pode ser reconhecida como inconfundivelmente portuguesa nas muitas povoações que foram fundadas em África, espalhados pelos Oceanos Índico e Pacífico e no Brasil durante a grande Era dos Descobrimentos. Foi publicado em 1988, que foi o ano em que solicitei como migrante a autorização para me tornar cidadão residente permanente em Portugal e recomendo a leitura a todos os estrangeiros que agora pretendam fazer o mesmo percurso. A sua odisseia de estima pelo modo histórico de vida português começou em 1957 com uma expedição de diplomados da Universidade de Oxford a Angola. Seguiram-se três anos de ensino de inglês no Rio de Janeiro, onde concebeu a ideia de criar pictoricamente a atmosfera encontrada durante os séculos XV a XVII pelos intrépidos exploradores portugueses liderados por Vasco de Gama, Fernão de Magalhães e Bartolomeu Dias. Auxiliado por pequenas doações da Gulbenkian e de outras Fundações, partiu com mochila, máquina fotográfica e cadernos numa viagem de três anos de comboio, autocarro, barco, cavalo e burro seguindo literalmente o rasto dos Navegadores de Marrocos ao Japão. Isso produziu mais de mil fotografias e uma narrativa lírica que permitiu a uma exposição de Portugalidade Global a viajar internacionalmente.
Mesmo neste curto espaço de cinquenta anos, muitos dos edifícios cuidadosamente registados desapareceram enquanto algumas das ruínas românticas foram “restauradas” no estilo de um parque temático da Disney repleto de guias fantasiados para proporcionar uma “experiência” aos turistas. Mas a magnífica homenagem de Michael Teague a Portugal atrai inevitavelmente comparações com a homogénea ideologia do Império criada pelas nações do norte da Europa e como as idiossincrasias alternativas portuguesas deixaram a sua marca indelével numa parte substancial do nosso mundo.
Tomar 10 Maio 2022