Com os diagnósticos de covid-19 a registar um aumento semanal na casa dos 60%, a sexta vaga de covid-19 é já um facto consumado. Até onde irão crescer as infeções é no entanto mais imprevisível do que em vagas anteriores, explicou ao Nascer do SOL o epidemiologista Manuel Carmo Gomes. Para o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o mais importante é proteger os mais vulneráveis perante o que deverão ser semanas de risco elevado de contágio, o que levou esta semana a comissão técnica de vacinação contra a covid-19 da Direção Geral da Saúde, a que pertence, a recomendar a antecipação do reforço da vacina nos lares e a maiores de 80 anos – é neste grupo etário que se têm verificado 77% das mortes atribuídas à covid-19, explica, uma proporção que tem vindo a crescer. No final do ano, tudo parece indicar que será necessário um novo reforço.
«Temos a ideia de que os casos vão continuar a subir mas uma previsão de quanto tempo vai durar a subida não é possível fazer», diz Manuel Carmo Gomes, explicando a dificuldade de antecipar a curva desta nova vaga, depois de um início do ano com uma elevada exposição ao vírus, em que mais de 50% da população terá estado infetada, mas agora perante a circulação de uma nova linhagem da Omicron, a BA.5, que já se sabe que pode infetar mesmo quem esteve infetado com a que dominou o início do ano (BA.1). «O que nos permite perceber o espaço do vírus para progredir é a suscetibilidade da população. Ora o panorama imunitário da população portuguesa é extremamente complicado neste momento. Temos pessoas com as três doses da vacina, outras só com duas, outras têm três doses e têm uma infeção, outras infetaram-se primeiro e só depois é que fizeram a terceira dose. Para complicar isto ainda mais, a data em que as pessoas tomaram a última dose, ou tiveram a última infeção, varia muito e, como sabemos, o declínio de anticorpos depende muito de quando tivemos o último contacto com antigénio».
Admitindo que tudo isto torna a progressão desta sexta vaga mais imprevisível que as anteriores, a sua intuição é que os casos vão continuar a subir mas que não vão chegar aos níveis de janeiro e fevereiro e poderá iniciar-se um período de maior acalmia no verão, até ao próximo outono/inverno, quando aumenta a circulação de vírus. «Baseio-me um pouco no que aconteceu noutros países como a Dinamarca, a Holanda ou o Reino Unido, que logo a seguir ao fim da obrigatoriedade das máscaras tiveram uma subida de infeções. A subida na Holanda também foi impressionante e depois desceu».
Aqui, a incógnita é que em Portugal o fim das máscaras coincide com a progressão da nova linhagem da Omicron – segundo o último relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que faz a sequenciação genética dos vírus em circulação, estima-se que a 8 de maio a BA.5 representasse já 40% dos novos casos no país, estando a caminho de se tornar dominante. «Outros países levantaram as máscaras quando se passou da BA.1 para a BA.2, mas a verdade é que isto só torna a leitura mais complexa, porque a BA.5 está a substituir a BA.2 e não sabemos se não virão outras».
Carmo Gomes sublinha que esta evolução da Omicron para diferentes linhagens tem sido mesmo um dos fatores surpreendentes deste terceiro ano da pandemia. «Antes da Omicron vimos aparecerem variantes de uma forma muito inesperada. Surgiu uma em Manaus, outra em Kent, outra na Índia e as relações evolutivas entre elas não eram nada previsíveis quanto ao sítio onde iam aparecer. Além disso, antes da Omicron esta evolução caracterizava-me muito por aumentar a transmissibilidade, que tem a ver com a quantidade de vírus que temos nas fossas nasais, na boca, quando estamos infetados. Se tivermos uma maior quantidade, infetamos mais. Tem também a ver com a rapidez da viremia, a rapidez com que estas partículas virais aumentam e ficamos com capacidade de infetar outros», explica. «Se este aumento da transmissibilidade foi característico das variantes antes da Omicron, com esta variante não é isso que tem estado a acontecer: está-se a desdobrar-se em linhagens de subvariantes sucessivas, que vão acumulando mutações que lhes permite evadir o sistema imunitário: cada vez que surge uma linhagem nova parece ter capacidade de fugir aos anticorpos provocados pela anterior. Nesta BA.5 já há trabalho laboratorial que mostra que quem foi infetado com a BA.1, por exemplo em janeiro e fevereiro, pode ser reinfetado, portanto é natural que isso venha a acontecer nas próximas semanas».
O calor, que leva as pessoas a estarem menos em espaços fechados, e a radiação ultravioleta, que elimina os vírus, são as potenciais ajudas nos próximos tempos. «É isso que esperamos que aconteça, agora perante tudo isto dizer quanto tempo vai durar esta vaga é neste momento praticamente impossível», resume Carmo Gomes. Acresce que mesmo os indicadores de testagem, atualmente na casa dos 35 mil testes/dia, e pela primeira vez a serem feitos mais testes PCR do que testes rápidos desde que deixaram de ser gratuitos, também deixaram de servir de guia, porque isso faz com que a positividade esteja em valores máximos (na casa os 40%) mas esses 40% não podem ter a mesma leitura que tinham quando os critérios de testagem eram diferentes. «Quando passamos só a testar pessoas com sintomas, a testagem sobe automaticamente sem que isso dê uma imagem real da progressão do vírus e ficamos mais longe de conseguir estimar o número de pessoas infetadas».
Carmo Gomes, que chegou a defender o regresso dos testes rápidos gratuitos, considera que a medida anunciada esta semana pela ministra da Saúde – de que pessoas com autoteste positivo, ligando para o SNS24, passam a ter automaticamente uma requisição para fazer um teste, já é um passo positivo. «Teremos de ver agora o impacto», diz. Aqui, o principal problema estava a ser o entupimento das urgências.
Quanto ao impacto desta vaga, Carmo Gomes sublinha que as preocupações devem estar centradas em proteger os mais vulneráveis, considerando que mesmo perante eventos de massas como os que se viram nos últimos dias em Fátima, queimas da fita ou futebol, d pessoas devem manter a preocupação de conseguir reconhecer situações de maior risco de contágio e proteger os mais velhos. «Dou o meu exemplo: ando com uma máscara no bolso e quando sinto que é necessário uso. Apesar de tudo vi pessoas com máscara em Fátima. Penso que estamos numa altura em que já conseguimos adaptar o nosso comportamento».
O investigador alerta no entanto que se deve esperar um aumento do impacto nos internamentos e que, registando-se já uma subida da mortalidade, a subida de casos tem consequências. «Sabemos já há muito tempo que todas decisões que são tomadas têm vantagens e desvantagens. Vemos que neste momento a maior transmissão está a acontecer nos jovens dos 12 aos 18 anos mas é transversal a todas as faixas etárias, pelo que é essencial proteger os mais vulneráveis».
Com base na situação desta semana, Portugal deverá voltar na próxima semana a ultrapassar os 30 mil diagnósticos por dia. Segundo o Nascer do SOL apurou, as previsões dos grupos que dão apoio ao Governo apontam neste momento para que o nível de infeções se aproxime dos 40 mil novos diagnósticos/dia ao longo das próximas duas semanas. Desde o início do mês a covid-19 matou 259 pessoas em Portugal. Em 12 dias, são já cinco vezes mais mortes que em todo o maio de 2021.