Nem sempre se soube como apareciam, mas a geologia foi amadurecendo. «No século XIII, Alberto, o Grande (1193-1280), alquimista francês, dizia que o lodo alagadiço e viscoso, trazido pelas águas, cimenta a terra e transforma-a em pedra». Começou assim a sexta sessão do ciclo de conversas sobre Geologia com o professor Galopim de Carvalho, promovido pelo Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Esta semana dedicada às rochas sedimentares, área de especialização do geólogo, um dos tipos de rochas à superfície do planeta, ‘filhas da terra e do sol’. E que abarcam muito do que vemos, com alguns nomes bem conhecidos, outros nem tanto. «Embora fosse na altura uma descrição muito simples, esta é a base de rochas sedimentares chamadas de detrititos, assim designadas já por um professor meu», começou Galopim, percorrendo as primeiras definições.
«No século XVII, em 1618, o alquimista alemão Michael Mayer (1568-1622) escrevia: ‘Como o coral cresce sobre as águas e endurece ao ar, assim faz a pedra’», recordou. «Tem a perceção de um tipo de material que nasce como um material biológico. Normalmente a parte dura de um animal acaba por endurecer e assim faz também a pedra, nomeadamente o calcário. Só mais tarde, no século XIX, em 1868, Carl Wihelm Gumbel (1823-1897) deu o nome de diagénese ao conjunto de processos que petrificam os sedimentos».
Foi o escocês James Hutton (1726-1797), considerado o pai da geologia moderna, que falou pela primeira vez de rochas sedimentares, sistematizando a definição de que as «camadas sedimentares foram antigos sedimentos que se transformaram em rocha».
Mais de um século depois, em 1941, citou Galopim, reconhecia-se o alcance do seu estudo. O físico e cosmólogo alemão George Gamov escreve que «o ‘Livro dos Sedimentos’, reconstruído pelo esforço de diversas gerações de geólogos, equivale a um extensíssimo documento histórico, ao lado do qual todos os alentados volumes da História da Humanidade não passam de insignificantes opúsculos».
«Isto para dizer que a história da Terra é imensa, inabarcável no tempo e na sua complexidade, mas a geologia vai progredindo lentamente, procurando saber cada vez mais».
Rochas para todos os gostos
Sedimento, do latim sedimentum, significa partícula sólida que, em suspensão num fluido em repouso, assenta por gravidade.
«Quando fazemos por exemplo uma análise da sedimentação no sangue, é também para ver a velocidade com que as partículas no sangue caem. Se fizermos a experiência num copo de água, dissolvendo um pedaço de terra, as partículas mais pesadas caem primeiro e as mais leves acabam por demorar mais tempo a cair», explicou o professor, ajudando a desconstruir mais um conceito com que facilmente nos cruzamos no dia a dia. «Um conjunto de sedimentos depositados acabou por despertar os naturalistas para este tipo de material na litosfera que são as rochas sedimentares».
Na geologia moderna, tanto é sedimento o detrito individual, partículas em suspensão, como o corpo geológico já depositado, o que levou a que esta categoria contemplasse um alargado número de rochas, mesmo quando não são coesas.
Geralmente são consideradas rochas sedimentares quando petrificam, mas hoje mesmo quando ainda estão instáveis, como arenito que pode ser tirado com pás de uma pedreira, entra nesta definição. Da mesma forma o barro também está classificado na sistemática da geologia como rocha sedimentar, mesmo não sendo coesa e aos leigos possa escapar ao conceito vulgar de rocha. O próprio petróleo é estudado no conceito das rochas sedimentares. Na origem das rochas sedimentares podem existir, isolada ou simultaneamente, dois ou três tipos de componentes, que acabam por contribuir para a sua sua classificação: detríticos terrígenos, de terra, orgânicos ou químicos dissolvidos na água.
Por exemplo nos componentes terrígenos, distinguem-se os calhaus, a areia, o silte (ou limo) e argila. São partículas arrancadas de rochas essencialmente siliciosas, como granitos.
Os componentes orgânicos são geralmente restos de conchas de moluscos e carapaças. Entre os materiais construtores de algumas rochas sedimentares organogénicas também podem estar restos de vegetais e aqui o exemplo clássico são os carvões fósseis, explicou Galopim de Carvalho, que resultaram de restos de madeira e plantas fossilizadas. É o caso do lignito, a hulha e a antracite, a que iremos no fim.
Os componentes químicos são, por seu lado, iões e moléculas oriundos da alteração e, em alguns casos, da dissolução das rochas nas terras emersas pelos rios e depois transportadas pela água. «Quando a alteração das rochas acontece por exemplo no granito liberta iões de sódio, de potássio, sílica, magnésio, ferro, entre outros, e isso acumula-se nos lagos», podendo contribuir para a formação de rochas sedimentares.
Vamos agora aos espécimes. Entre as rochas terrígenas, a primeira subdivisão é a dos conglomerados e brechas. Conglomerados são todas as rochas formadas por calhaus ‘grandes’, com detritos superiores a 2 mm. «Isto está padronizado, embora a natureza se esteja nas tintas, é uma forma de nos entendermos uns com os outros», brincou o professor. Os conglomerados são constituídos por fenoclastos – «a maneira erudita de dizer calhaus» –, a matriz, que é o material geralmente arenoso que enche o espaço vazio deixado pelos calhaus, e por fim o cimento – o material que dá coesão à rocha que pode ser, por exemplo, calcário.
Nas brechas sedimentares, a diferença é que os calhaus estão mais intactos. Um dos exemplares característicos do país é a Brecha da Arrábida, datada do Jurássico superior, com 146 a 154 milhões de anos. Localizada no interior do Parque Natural da Serra da Arrábida, a exploração está interdita desde o século passado. Já alguns exemplos de conglomerados em Portugal são a Pincha de Minde ou a Concheira de Vila de Rei.
Outra subclasse de rochas sedimentares detríticas são os arenitos ou psamitos, compostos por partículas mais finas, até 2 mm. Um exemplo visível em Portugal é o arenito do Castelo de Silves. Entre eles encontra-se a arcose, um arenito muito primitivo, ou o grauvaque, que pode ver-se por exemplo nas arribas da Costa Vicentina e nas aldeias de xisto. «O grauvaque é uma rocha pouco falada, mas toda gente conhece as casas de xisto. Os xistos veem-se nas camadas mais estreitas», explicou, apontando o beiral de uma janela. «Mas é o grauvaque que dá o grosso das paredes», explicou.
O terceiro grupo nestas rochas são os pelitos ou lutitos, como o argilito ou o siltito. Dão por exempo o xisto, composto de argila e folhelho, uma rocha sedimentar.
Passando às rochas sedimentares com componentes orgânicas, destacam-se as carbonatadas. É o caso dos calcários, que podem ser bioacumulados com material esquelético finamente desfeito, usados por exemplo em calçada, ou os calcários com conchas visíveis, que dão pelo nome lumachelas. Existe depois o calcário bioconstruído, que resultou da atividade de bivalves no Cretácico como ostras e rudistas. E há muitos exemplos de rochas ornamentais calcárias em Portugal, do lioz ao azul de Cascais, passando pelo vermelho de Negrais ou o negro de Mem Martins, mostrou o professor.
Quando no fundo do mar sedimentam ao mesmo tempo materiais carbonatados e materiais argilosos surgem as rochas margas, que tratadas são o que dão o betão e o cimento. Que cá também não falta.
Também de origem orgânica existem as rochas sedimentares siliciosas, sendo um dos exemplos o sílex, usado na pré-história.
Entre as quimiogénicas contam-se os evaporitos ou rochas salinas. Entram nesta categoria o gesso, disse Galopim, lembrando por exemplo a famosa pedra que dá pelo nome de rosa do deserto, com saliências como pétalas. Por cá, existiu a Gesseira de Santana. Este gesso é usado em estuque. Um dos exemplares conhecidos é Alhambra, em Espanha.
Também o sal-gema entra nesta categoria, explorado por exemplo em Loulé. Há ainda a carnalite, que dá formações rochosas psicadélicas como as da mina da Yekaterinburg, uma mina de sal abandonada na Rússia (e esta vale a pena Googlar).
No campo das rochas sedimentares ferríferas, com componentes metálicos, e para ficarmos com a lição completa, encontram-se a hematite, a limonite, a siderite e a mais conhecida pirite. Mostrando a imagem de uma Mina de Ferro (hematite) em Minas Gerais, no Brasil, com vastos sulcos de terra que parece queimada, uma mina a céu aberto, o geólogo fez a ponte para o presente: «É isto que as regiões portuguesas onde há lítio temem que venha a acontecer. Não com esta cor, porque esta é a cor própria do sedimento de ferro ali explorado, mas os filões pegmatíticos onde existem os minerais de lítio implicam que se alargue a terra para chegar em profundidade. É o que acontece às minas de exploração a céu aberto. Portanto quem tiver couves e batatas para cultivar por ali, vai ficar sem eles».
Por fim os carvões fósseis, que são rochas sedimentares mais conhecidas. Entre eles, o lignito negro, também chamado de hulha jurássica, foi muito explorado em Leiria, na mina da Guimarota, evocou. «Esta mina teve uma particularmente muito interessante porque no interior do lignito apareciam ossinhos dos mamíferos mais primitivos que se conhecem. É do Jurássico Superior e temos ali fósseis de mamíferos contemporâneos dos dinossauros de há 150 milhões de anos». Investigados por cientistas, alguns dos fósseis foram oferecidos ao LNEC.
Mas os mais famosos dos carvões vegetais são talvez a hulha e antracite. «Quando nós no sec. XIX importávamos muita hulha de Inglaterra, os barcos vinham carregados e quando regressavam iam carregados de ardósia para fazer os telhados», lembrou, a propósito, Galopim de Carvalho, que em cada sessão vai juntando notas sobre a história do país. Mas os capítulos abertos pelo livro das rochas sedimentares são muito mais vastos. «A geologia sedimentar tem a particularidade de nos poder contar uma parte importante da história do planeta, não só da Terra, mas da vida, porque é dentro destas rochas sedimentares que se encontra a maioria dos fósseis, dos mais antigos aos mais recentes».