por Luís Filipe Pereira
Gestor e ex-ministro da Saúde
A atualidade omnipresente no nosso quotidiano ( por exemplo, a guerra na Ucrânia, o debate politico do Orçamento do Estado etc.) coloca em segundo plano temas e problemas que são já hoje fundamentais e continuarão a sê-lo para o futuro.
A múltipla e nova realidade do envelhecimento, nos nossos dias, que se traduz pelo aumento do número e da proporção de pessoas idosas na população da quase totalidade dos países, é um desses temas e problemas.
Com efeito estima-se que o número de pessoas idosas no mundo, duplicará até 2050 e triplicará até 2100 (Relatório das Nações Unidas).
Em Portugal prevê-se, também, que as pessoas com mais de 65 anos, representem cerca de um terço da população em 2050. O país tinha, em 2018, a terceira idade mediana mais elevada da Europa (45,2 anos) apenas inferior à Itália (46,0 anos) e à Alemanha (46,7 anos) –(Fonte: INE)
Na comparação com a população ativa, existiam, em Portugal, em 2009, 27 idosos por 100 ativos, enquanto que, dez anos mais tarde, em 2019, essa proporção era de 34 idosos por 100 ativos (Fonte: Pordata).
Apesar da existência desta nova realidade, algumas suposições e estereótipos têm condicionado a participação/continuação das pessoas mais idosas no mundo do trabalho, tais como:
– a idade cronológica determina a capacidade e valor dos indivíduos;
– o envelhecimento é contrário à produtividade do trabalho;
– as pessoas idosas são menos capazes para o exercício de uma atividade profissional do que as mais jovens;
– as sociedades mais envelhecidas têm maiores níveis de absentismo e menores produtividades;
– é óbvio e natural o modelo tradicional das fases do ciclo de vida: os Jovens estão em Formação, os Adultos no Trabalho e os Idosos na Reforma.
A verdade é que as pessoas idosas não constituem um grupo homogéneo e, em termos de aptidões e competências, é cada vez mais marcada a diferença entre idade cronológica e biológica o que permite, por exemplo, carreiras profissionais mais longas e bem sucedidas.
O envelhecimento não é contrário à produtividade do trabalho, como se comprova pelo facto de existirem países mais envelhecidos com maiores níveis de produtividade de trabalho do que em países com estruturas etárias mais jovens (ex., na Europa, entre Alemanha e Portugal)
Por outro lado, se é certo que em atividades profissionais de trabalho predominantemente braçal, que exigem vigor físico, a mão d’obra jovem será a mais indicada, não é menos verdadeiro que aqueles estereótipos, já hoje se não aplicam e justificam em muitas atividades nas sociedades modernas, sobretudo nas mais evoluídas, onde os serviços são predominantes.
Numa estratégia de crescimento económico sustentado para o país é critica a disponibilidade de recursos humanos qualificados e em numero adequado às exigências da expansão da atividade económica e social o que exige a adoção de políticas de combate ao decréscimo e envelhecimento da população e ação contínua de uma sua maior qualificação.
Por regra, neste combate ao decréscimo e ao envelhecimento da população, surgem como principais instrumentos as políticas de natalidade combinadas, ou não, com as políticas de emigração (diminuição de fluxos para o exterior) e de imigração (atração de novos residentes).
As políticas de natalidade, porém, defrontam dificuldades na produção de efeitos concretos, no curto prazo, dado o extenso espaço temporal (geracional) existente entre a sua adoção e a produção de efeitos significativos,
Por outro lado os resultados das políticas de emigração/imigração são, em grande medida, o efeito do crescimento económico e não a sua causa, pelo que aquelas políticas não são uma variável autónoma para o combate ao decréscimo e envelhecimento da população.
Assim, face à necessidade, por um lado, da expansão dos recursos humanos no processo de crescimento e desenvolvimento económico e social e tendo presente, por outro lado, as dificuldades apontadas das políticas de natalidade e de emigração/imigração, é desejável, em Portugal, a adoção de políticas de envelhecimento ativo que se possam traduzir, em concreto, no aumento das taxas de emprego, nas faixas etárias mais elevadas, desejavelmente, no escalão dos 55 aos 74 anos.
Estas políticas de envelhecimento ativo (interligadas intimamente com políticas de envelhecimento saudável) deveriam visar dois grandes objetivos: por um lado, aumentar a participação/continuação das pessoas idosas no mundo do trabalho e, por outro, eliminar incentivos ao seu abandono precoce.
Para alcançar estes objetivos é fundamental a adoção de medidas concretas tais como:
– Aumentar a participação/continuação das pessoas idosas no mundo do trabalho e promover o envelhecimento em atividade através de: incentivos à manutenção dos postos de trabalho das pessoas idosas, sua formação contínua para evitar a obsolescência de aptidões e competências (em especial nas tecnologias digitais), recurso a formas inovadoras e flexíveis de organização do trabalho, como o trabalho a tempo parcial e trabalho por ‘projeto’ e combate ao ‘idadismo’ (discriminação) valorizando o trabalho das pessoas idosas.
– Eliminar incentivos ao abandono precoce do mundo de trabalho mediante a revisão dos regimes de reforma, o que pode passar pela flexibilização da idade de reforma e exploração de modalidades de reforma gradual e adotar incentivos legais e financeiros para as pessoas idosas trabalharem mais tempo e para os empregadores contratarem e manterem os seus trabalhadores mais velhos
Estas políticas de envelhecimento ativo permitiriam, assim, o aumento/manutenção dos idosos na população ativa (aspeto ainda mais relevante em determinados casos como o dos professores e médicos) e um impulso para o crescimento económico, num país envelhecido, como Portugal, ao mesmo tempo que teriam outros efeitos benéficos e muito importantes, tais como, menores custos com pensões e aumento das receitas públicas.