Os anos foram passando em branco para os azuis-e-brancos. Desde que o Congresso da Federação de 1938 decidira mudar o nome de Campeonato de Portugal para Taça de Portugal, facto que passou a valer a partir, precisamente, na época de 1938-39, que o FC Porto nunca tinha conquistado a prova com a sua nova designação. E já estávamos no dia 15 de Junho de 1958, dezanove anos após a medida administrativa. Apenas uma presença na final, de muito má memória, em 1953, com uma derrota volumosa face ao Benfica por 0-5.
O Estádio Nacional encheu, como era seu hábito, num ambiente descontraído de quase Verão, gente em passeio despreocupado pelo Vale do Jamor, a comer e a beber junto às barraquinhas, agitando bandeiras dos dois clubes, Benfica e FC Porto que iriam medir forças, daí a nada, sobre a relva magnificamente tratada e o olhar atento do árbitro que viera de Coimbra, Álvaro Rodrigues. Na brincadeira, dizia-se que era a final dos Ottos, por via dos brasileiros que se sentavam nos bancos, Otto Glória no dos encarnados, Otto Bumbel no dos portistas.
Não havia direito a Presidente da República nem a Presidente do Conselho no camarote principal, o povo, que gostava de espreitar a presença dos figurões, limitou-se a reconhecer a custo o Ministro da Justiça, o Ministro das Corporações e mais uns poucos de secretários-de-Estado, que desses havia aos pontapés.
Curiosamente, a antes da final ter início, quem se deu ao transtorno pôde ver, no mesmíssimo relvado, o confronto entre os campeões de Angola e de Moçambique, o Ferrovia e o Ferroviário de Lourenço Marques, que estavam numa visita de cortesia à Metrópole. Possibilidade sobretudo para observar a arte do magnífico Fernando Laje que, a despeito de ter sido uma das maiores estrelas moçambicanas do seu tempo, nunca quis vir jogar para a capital do Império.
Uma vitória sem história Conta quem viu que o Benfica-FC Porto foi uma das menos interessantes finais da Taça de Portugal até então disputadas. Foram precisos 17 minutos para se assistir ao primeiro remate à baliza, por Coluna, Coluna esse que acabaria por ser o grande protagonista da primeira parte, procurando levar os encarnados para a frente à força de gritos. Debalde. O calor, a modorra, a preguiça pareciam ter tomado conta de toda a gente, das bancadas ao interior das quatro linhas. Futebol molenga e empastelado, de um lado e do outro, uma primeira dose de 45 minutos para esquecer e um intervalo bem vindo para todos se refrescarem com mazagrãs e buçaquinas.
O segundo tempo veio inquinado de atritos. Vários jogadores começaram a embirrar uns com os outros, sobretudo Palmeiro com Arcanjo, era mesmo o que faltava para que o espectáculo se degradasse irremediavelmente. Aproveitou-se o FC Porto da distração benfiquista com as tranquibérnias. Ladino, vivaço, bem à moda da sua Venda Nova natal, lá na Águeda da minha infância, Hernâni recebeu um passe do brasileiro Gastão e disparou com força e colocação para o 1-0, não dando hipóteses a Bastos. A festa era do Norte.
Claro que, ainda com 38 minutos para jogar, ninguém apostaria que a vantagem seria definitiva. A verdade é que foi. Muito por culpa do benfiquista Zezinho que teimando nas questiúnculas com este e com aquele acabou por receber a natural ordem de expulsão. Nervosos, os lisboetas atacavam sem tino nem organização. Tinham-se perdido no labirinto das confusões desnecessárias e agora não conseguiam sair dele. Carlos Duarte e Osvaldo Silva ainda prometeram o 2-0, mas o assunto ficou-se por ali. Pela primeira vez o FC Porto ganhava a Taça de Portugal, com esse nome.