Não supreende ninguém que este encontro anual do Fórum Económico Mundial tenha tido a Ucrânia no topo da sua agenda. A elite política e financeira, que se voltou a reunir em pessoa em Davos, na Suíça, após um intervalo de dois anos devido à pandemia de covid-19, está bem consciente do impacto da guerra na economia mundial. E escutou os apelos de Volodymyr Zelensky a sanções “máximas” contra a Rússia de Vladimir Putin. Mas o Presidente ucraniano, apesar de ter uma porção significativa do leste e sul do seu país sob controlo russo, já quer pensar para lá da guerra, pedindo fundos para a reconstrução da Ucrânia.
“A quantidade de trabalho a fazer é enorme. Tivemos mais de meio bilião de dólares em perdas. Dezenas de milhares de instalações foram destruídas. Precisamos de reconstruir cidades e industrias inteiras”, lembrou Zelensky, um dos cabeça de cartaz do encontro, aparecendo através de videoconferência neste vila nos Alpes.
Dias antes, o G7, o grupo de sete países mais industrializados do mundo, concordaram enviar 19,8 mil milhões de dólares (equivalente a mais de 18,5 mil milhões de euros) em ajuda económica à Ucrânia, enquanto os Estados Unidos aprovavam o envido de 40 mil milhões de dólares (uns 37 mil milhões de euros) para Kiev. Mas mesmo essas verbas estão bem distantes do considerado necessário por Zelensky.
O presidente da Ucrânia pediu a um “modelo de reconstrução especial, historicamente significativo”, que países, cidades ou empresas com capacidades diferentes tivessem papéis especializados, dedicando-se a apoiar as necessidades específicas de cada industria ucraniana.
A ideia tem sido descrita por Zelensky como uma espécie de “plano Marshall” para a Ucrânia, em que o financimento nem teria de vir todo dos seus aliados. Poderia vir em parte dos ativos avaliados em mais de 280 mil milhões de euros nos EUA e na Europa congelados ao banco central da Rússia. Os bens russos “deveriam ser encontrados, confiscados ou congelados e alocados para um fundo especial, para compensar todas as vítimas da guerra”, declarou o Presidente ucraniano aos líderes reunidos em Davos. “Se o agressor perder tudo, então isso tira-lhe a sua motivação para começar uma guerra”.
Sanções e deserções Poderia-se dizer que, de certa maneira, Zelensky está a meter a carroça à frente dos bois, como diz o ditado popular. O desfecho da guerra ainda está por decidir, tendo o Presidente ucraniano admitindo que precisará de receber “pelo menos cinco mil milhões de dólares por mês”, o equivalente a mais de 4,6 mil milhões de euros, só para aguentar a ofensiva russa. E mesmo as sanções à Rússia não são tão estritas como Zelensky gostaria, tendo apelado em Davos por um embargo ao petróleo russo e que o Ocidente corte por completo os seus laços financeiros à Rússia, acabando com as insenções desfrutadas por alguns dos seus bancos.
Ainda assim, o isolamento internacional do Kremlin é cada vez mais profundo e até dentro do seu corpo diplomático há deserções. “Nunca tive tanta vergonha do meu país”, admitiu Boris Bondarev, conselheiro do Kremlin nas Nações Unidas, na sua carta de demissão.
Numa rara crítica pública vinda de dentro do Estado russo, Bondarev descreveu a invasão da Ucrânia como o “o crime mais grave contra o povo da Rússia”. Não espanta que tenha optado por ficar em Genebra, por motivos de segurança, acrescentando que “nem todos os diplomatas russos são belicistas. Alguns são razoáveis, mas têm de manter a boca fechada”.