As táticas das tropas ucranianas, estilo guerrilha, têm feito a vida negra às forças russas. Mas analistas apontam que a estratégia da Rússia de criar ‘caldeirões’ – ou seja de levar a cabo sucessivos cercos a localidades ucranianas, devastando tudo no seu interior – ainda pode virar a batalha pelo Donbass a seu favor. Não espanta que ao longo dos últimos dias os russos tenha escalado os seus bombardeamentos, ao longo de toda a linha da frente no Donbass, onde os combates «chegaram à máxima intensidade», avisou a vice-ministro da Defesa da Ucrânia, Hanna Maliar, esta quinta-feira. Mas é difícil atingir um inimigo que não se vê, flexível, que lança sucessivos ataques atrás das linhas do atacante. Seja deslocando constantemente a sua artilharia, para evitar fogo de resposta russo, ou cometendo assassínios e atos de sabotagem em cidades ocupadas como Melitopol.
Ainda a semana passada um comboio blindado russo foi descarrilado próximo desta cidade sulista, à beira do rio Molochna, que costumava ter 150 mil habitantes e virou um eixo logístico crucial nas falhadas tentativas do Kremlin para avançar sobre Zaporizhzhia. Dois dias depois, dois soldados russos foram encontrados mortos numa rua, sendo que no mês anterior uma ponte próxima de Melitopol, utilizada pelas forças do Kremlin, foi destruída.
«Foi trabalho dos nossos grupos guerrilheiros, dos nossos serviços secretos e soldados. Fazem este trabalho juntos», elogiou Ivan Fedorov, presidente da Câmara de Melitopol, que chegou ele próprio a ser raptado por forças do Kremlin, que o acusaram de financiar o Setor Direito – o partido da extrema-direita ucraniana com mais representação eleitoral – e o arrastaram para uma carrinha com um saco na cabeça. Acabaram por libertá-lo em março, a troco de nove prisioneiros russos. Na altura, isso provocou protestos de milhares na cidade, com milhares de habitantes a protestaram perante militares russos.
Parte dessa população agora parece disposta a pôr a vida em risco para travar a máquina de guerra russa. Guerrilhas locais têm passado informação aos militares russos, avançou a Ukrinform este mês, mataram mais de uma centena de «invasores e colaboradores» – um termo preocupante, indicando que até civis pró-Rússia podem ter-se tornado um alvo – e criaram «uma rede clandestina profundamente secreta de patriotas pró-ucranianos na cidade e distrito de Melitopol».
Já as forças russas, desesperadas por manter Melitopol sob controlo, nem que seja por estarem a utilizar o aeroporto desta cidade, avançou a CNN, impuseram um recolher obrigatório das 18h até às 6h e são acusados de recorrer a raptar, torturar, assassinar ou ‘desaparecer’ dirigentes locais, veteranos e opositores.
A resistência dos guerrilheiros ucranianos mesmo perante a brutal repressão dos russos – que deram por si obrigados a guarnecer esta cidade russófona com tropas que poderiam ter sido mandadas para Donbass – surpreendeu tudo e todos. «Se forças russas tivesse tivessem vindo para Melitopol em 2014, teriam sido recebidas com pão e sal», admitiu o próprio Fedorov, em entrevista à New Yorker, usando uma expressão associada à hospitalidade. Mas muito mudou desde então.
Lição aprendida
Entre as muitas fragilidades que são apontada à estrutura militar russa, a ausência de um escalão intermédio entre comandantes e soldados é particularmente notória. Esta camada de militares, gente com anos de experiência na linha da frente, é crucial na doutrina militar da NATO, que coloca as decisões estratégias nas mãos de comandantes, contudo permite aos escalões mais baixos improvisar no terreno.
«A doutrina ucraniana é bastante semelhante à ocidental – a liberdade de adaptar e alcançar objetivos de acordo com a sua compreensão da situação», explicou Mykhailo Samus, diretor da New Geopolitics Research network, ao Financial Times. «O modelo soviético é seguir as instruções escritas exatas dos seus comandantes».
Apesar disso, os russos, muito lentamente, conseguiram avanços em redor de Severodonetsk, a maior cidade sob controlo ucraniano no Donbass. A nível militar, não é considerado um alvo crucial. Mas, junto com a queda da sua cidade-gémea, Lysychansk, do outro lado do rio Donets, permitira a Vladmir Putin proclamar a tomada de Lugansk.
O Kremlin parece ter aprendido a lição de não morder mais do que consegue mastigar. Após o falhanço em cercar Kiev e Kharkiv, seguido da incapacidade de isolar as forças ucranianas do Donbass inteiro, não conseguindo tomar Kramatorsk, a sua tática tem sido criar ‘caldeirões’ cada vez mais pequenos. De certa forma, parece ser uma admissão de incapacidade. Há três meses, o Kremlin achava que conseguiria cercar Kiev, uma cidade com quase três milhões de habitantes. Agora tem de usar todo o seu poderio para cercar Severodonetsk, onde viviam pouco mais de cem mil pessoas.