por José Maria Matias
Aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa
Cumpriu-se um ano da aprovação da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital. Tinha passado no Parlamento com a aprovação na votação global sem votos contra, contando apenas os que se abstiveram: IL, CH, PCP e PEV. Posteriormente foi promulgada pelo Presidente da República a 8 de maio de 2021. Até aqui, a carta tinha passado relativamente despercebida. Contudo, a 11 de maio, o jornal online Notícias Viriato lança a notícia: A Liberdade de Expressão Oficialmente Acabou. Referia-se à aprovação da Carta e chamava a atenção para o artigo 6.º, o direito à proteção contra a desinformação. O artigo 6.º considerava desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora, sendo que, o Estado apoiaria a criação de estruturas de verificação de factos, assim como a atribuição de selos de qualidade. Deixava claro que todos tínhamos o direito de apresentar queixas para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Isto seria a institucionalização da censura, ou seja, o Governo passaria a dispor de meios legais para definir quais as narrativas verdadeiras e as falsas no espaço digital.
Em reação à reportagem iniciou-se um debate sobre o artigo 6.º. António Abreu, diretor do Notícias Viriato, dá uma entrevista ao Nascer do SOL e logo depois, a 1 de junho de 2021, o Expresso faz uma entrevista a José Magalhães, deputado do PS e um dos autores da Carta. Nesse mesmo dia, o Governo anunciava que todos os Estados Membros da UE tinham assinado um documento sobre direitos digitais: a Declaração de Lisboa. Estávamos no culminar da Presidência Portuguesa da UE e o objetivo era claro: fazer com que Portugal liderasse o caminho para uma Carta Internacional. Era o alinhavar da agenda nacional com a europeia, a Declaração de Lisboa e a Carta Portuguesa estavam coordenadas no seu conteúdo e timing. Iríamos ter a Europa a olhar para os socialistas portugueses como os autores da Magna Carta do século XXI. O artigo 6.º da Carta Portuguesa explica querer assegurar o cumprimento do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por outro lado, a Declaração de Lisboa, no âmbito da UE, era baseada na Carta Portuguesa. Andávamos em círculos.
Finalmente, a 8 de junho, o PR reagiu dizendo que a Carta Portuguesa não institucionalizava a censura por parte do Estado, defendendo-se que tinha sido aprovada quase por unanimidade e que jamais promulgaria um diploma desse cariz. Mais tarde, a 16 de julho a Carta entra em vigor, mas 13 dias depois, surpreendentemente, o PR manda o artigo 6º para o Tribunal Constitucional para a apreciação da constitucionalidade. No requerimento enviado, entre vários pontos, refere que o artigo pode ferir a Constituição e o direito à liberdade de expressão, devido à ambiguidade de conceitos apresentados. No fundo, fechava praticamente a porta ao artigo 6.º, aguardando ainda hoje a decisão do Tribunal Constitucional.
De aspiração a uma Carta Universal, teremos provavelmente, uma Carta Inconstitucional.
No entanto, depois deste relato dos acontecimentos, ainda restam hoje 5 perguntas por responder.
1. António Costa considera que para cumprir o Plano de Ação Europeu contra a desinformação precisa de instaurar a censura em Portugal? E o que é que isso diz de António Costa e da UE?
2. Como é que os deputados não compreenderam o que estavam a votar?
3. O Marcelo de julho, admite que o Marcelo de maio pode ter promulgado uma carta que poderia trazer a censura?
4. Até quando esperaremos pela resposta do Tribunal Constitucional? E que resposta?
5. No fim, quem assumirá as responsabilidades?