por Alexandre Faria
Nos passados dias 26 a 28 de maio realizaram-se as Raias Poéticas: afluentes ibero-afro-americanos de arte e pensamento, um relevante espaço de reflexão e de pensamento que acontece há 11 anos na Casa das Artes em Vila Nova de Famalicão, onde professores, escritores, poetas, tradutores, críticos, ensaístas e artistas intensificam as conexões estéticas, éticas e conceptuais existentes nas relações e problemáticas filosóficas entre a literatura, a poesia, as ciências e as várias artes.
Estes encontros em experimentação contínua são indissociáveis do seu criador, o poeta, escritor e ensaísta Luís Serguilha, permitindo que Vila Nova de Famalicão ultrapasse os seus limites físicos e assuma uma relevância decisiva no pensamento mundial. Radicado no Brasil há 15 anos e com uma longa trajetória de vida literária, desde os primeiros anos da sua adolescência, Serguilha divide o seu tempo entre a escrita, a leitura e a composição da curadoria das Raias Poéticas, lançando em breve o primeiro volume da sua obra poética. Tendo percorrido 18 estados brasileiros e enfrentado longas temporadas de vivências e experimentações de vários ritmos linguísticos em 9 desses estados, esta obra não deixará de revelar a influência pelas línguas fronteiriças em transmutação permanente, sustentada na errância por múltiplas geografias incomuns.
Desde as ressonâncias afetivas com a geração beatnik ao universo nómada de Júlio Cortázar, de José Lezama Lima, de Conde de Lautréamont e, sobretudo, de James Joyce, os caminhos comuns de Serguilha e das Raias Poéticas trazem trilhos originais para a literatura, onde os mangais do Recife se misturam com a aridez do cerrado da capital brasileira, fundindo as águas amazónicas ao pampa gaúcho, aos rastos da azulejaria ibérica, à imensidão africana e à contemporaneidade das experimentações poéticas portuguesas, abrindo novas correntes rítmicas que não esquecem a relação entre a linguística, a psicanálise e a arte em geral, intensificado formas originais de leitura.
Luís Serguilha e as Raias Poéticas confundem-se na sua trajetória de linhas transfronteiriças que compõem a marchetaria laharsista deste poeta, sendo ainda responsáveis por nos trazerem uma imperdível lição para todos, nestes tempos tão carenciados de pensamento e de busca por um maior aprofundamento intelectual. Da natureza dialética entre o global e o local, da sua interação no necessário processo criador de uma realidade social, as autarquias podem assumir um papel determinante nas dinâmicas do seu desenvolvimento através destes eventos.
A realização de iniciativas desta natureza permite uma intensa correlação entre o espaço de consciência local e as fronteiras que o transcendem, originando profundas transmutações da vida quotidiana e elevando os municípios à mundialização que os pode diferenciar. Que nunca se perca esta visão estratégica de superarmos as nossas regiões, num universo de pensamentos sem limitações geográficas.