“O SNS continua a enfrentar riscos e incertezas que condicionam o seu desempenho de curto e médio prazo, assim como a sua sustentabilidade futura”. O alerta surge no relatório de evolução do desempenho do Serviço Nacional de Saúde em 2021, divulgado ontem pelo Conselho das Finanças Públicas, que nos últimos anos tem alertado para a suborçamentação na Saúde.
As contas em 2021 acabaram por ser as piores desde que o organismo independente que funciona como conselho orçamental, congénere de outros watchdogs orçamentais europeus, se pronuncia sobre o SNS: o défice situou-se em 1,1 mil milhões de euros, “muito acima do défice de 89 milhões previsto no orçamento inicial” – como o i noticiou, para este ano o Governo prevê um défice semelhante, mesmo com reforço orçamental. Para o Conselho das Finanças Públicas, que conclui que entre 2014 e 2021, o défice orçamental do SNS somou 4 mil milhões de euros mesmo com as transferências do OE a aumentar, “a persistência destes desvios reflete um processo de orçamentação desajustado da execução, bem como a ausência de mecanismos de gestão que permitam um controlo efetivo sobre as rubricas da receita e da despesa”.
Assinalam riscos assistenciais e orçamentais. Começando pelos primeiros, e depois do rombo na atividade no SNS provocado pela resposta à covid-19, o organismo destaca que a resposta à população aumentou em 2021, mas em algumas rubricas ainda ficou aquém de 2019.
Consultas abaixo do necessário
Nos cuidados primários “constata-se um desvio significativo entre a atividade realizada e a que era necessária, considerando as necessidades da população, apuradas por critérios sociodemográficos e de morbilidade”, concluem, o que indicia “a existência de necessidades ocultas não satisfeitas”. Estimam que a resposta médica nos centros de saúde e unidades de saúde familiar, apesar de ter aumentado, foi 78% do que seria necessário – e a resposta de enfermagem 71%.
Apesar de as consultas terem aumentado, notam que o acompanhamento dos doentes crónicos nos cuidados primários em 2021 também ainda não tinha retomado os níveis pré-pandemia, revelando dados cedidos pela Administração do Sistema de Saúde que ainda não eram públicos. Apenas 53,7% dos diabéticos tinham parâmetros controlados em 2021, ou seja, -7,8 pontos percentuais (p.p.) que em 2019, lê-se no documento. Na hipertensão, 44,1% tinham parâmetros controlados (-9,3 p.p.) e, nas doenças respiratórias, 39,3% dos utentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) tinham registo de exame de controlo realizado (-10,1 p.p. que em 2019).
Nos hospitais, aumentou também a atividade, mas as consultas hospitalares programadas ainda ficaram aquém de 2019. Já o acesso à atividade cirúrgica retomou, em 2021, valores idênticos ao período pré-pandemia, embora se note que o acréscimo no global não foi suficiente para compensar o que foi feito a menos em 2020.
Destaque ainda para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados: atingiu as 10 132 camas de internamento em 2021 (+950 que em 2019 e +395 que em 2020). “Persistem ainda importantes assimetrias na oferta da RNCCI em Portugal, com a região de Lisboa e Vale do Tejo a apresentar o maior grau de falta de resposta”, concluem. Ainda assim, também aqui a resposta aumentou em 2021: foram admitidos e assistidos 48,7 mil utentes (-1,7 mil que em 2019, mas +2,8 mil que em 2020) e encontravam-se 1,3 mil utentes em lista de espera (-364 que em 2019, mas +46 que em 2020).
São três os principais riscos assistenciais elencados: por um lado, a demora na retoma da atividade assistencial nos cuidados primários devido à covid-19 e ao aumento de utentes sem médico de família (mais de 1,1 milhões no final de 2021 – atualmente, dados de maio que o i consultou, são já mais de 1,3 milhões). Por outro lado, “a procura crescente nos serviços de urgência” obriga a redirecionar recursos da atividade programada e, por vezes, a adiar cirurgias. O que já se notava em 2021 e este ano mais ainda.
Por fim, a necessidade de recuperar integralmente a resposta às necessidades da população “aumenta a pressão financeira sobre o sistema de saúde”, referem, admitindo que a intensificação de exames de diagnóstico e reativação plena dos processos terapêuticos (no pós covid) vai causar uma pressão acrescida. O que se não for acautelado “em tempo útil” terá como consequências o aumento das necessidades de saúde ocultas, das listas de espera ou o agravamento dos pagamentos diretos das famílias no privado, que já ascendiam a 30,5% da despesa em saúde em 2019.
No campo orçamental, os principais riscos são a receita do SNS estar cada vez mais dependente de verbas do OE (96% em 2021), o que coloca “importantes desafios de sustentabilidade, num quadro em que o ritmo de crescimento da despesa pública em saúde tem sido superior ao da economia e em que as necessidades em saúde da população são crescentes”. O aumento da despesa, nomeadamente com pessoal e medicamentos hospitalares, que em 2021 passaram pela primeira vez o peso dos medicamentos comparticipados nas farmácias, são outras nuvens no horizonte. O PRR parece ser o balão de oxigénio, mas insistem que deverão ser usadas a “totalidade das verbas do PRR” para modernizar o SNS e reformar a organização, a gestão e o seu funcionamento.