O Tribunal da Relação de Évora reduziu e suspendeu a pena de prisão efetiva aplicada pelo Tribunal de Setúbal a um professor de inglês por entender que as carícias que o homem fez a alunas de 3º e 4º ano não constituem crime de abuso sexual. Condenado a oito anos de prisão em dezembro de 2021, o professor viu a pena ser reduzida para quatro anos e suspensa, ficando agora impedido de lecionar por cinco anos crianças com menos de 14 anos.
No acórdão de 24 de maio agora noticiado, que o i consultou, os desembargadores justificam que a “lei penal não fornece uma densificação do conceito de ato sexual de relevo, nem casuística exemplificativa. Esta situação confere margem de apreciação a quem julga, em função das realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes”.
As justificações “O comportamento do arguido com as suas alunas, que envolveu a introdução de uma das suas mãos por dentro da roupa das menores e, em contacto com a pele destas, o toque, a carícia, a massagem no pescoço, peito/tronco, mamilos e barriga, é absolutamente desajustado em ambiente escolar, entre professor e aluna. E tem cariz sexual, pelas zonas que o arguido escolheu para tal ‘contacto’ e pela forma como o estabeleceu – com a pele das crianças, por baixo da roupa que envergavam. É um contacto com o que não está à vista, perfeitamente calculado, que exige esforço e revela busca de intimidade”, lê-se no acórdão.
“Mas não tem o relevo exigido pelo n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal”, prosseguem, “porque ocorreu apenas uma vez, com cada uma das referidas crianças, (ii) porque ocorreu em público e (ii) porque, como primeira abordagem do género, é suscetível de ter deixado dúvida, em meninas tão jovens, quanto ao seu propósito. Neste contexto, tais comportamentos não entravam de forma significativa a livre determinação sexual das vítimas. Pelo que fica apenas preenchida a previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal – cometeu o arguido onze crimes de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual.“
Ainda segundo os desembargadores, “a forma como o arguido tocou as menores (…), não reveste natureza sexual. O Arguido acariciou e fez cócegas a estas menores, por cima da roupa que as mesmas envergavam, na zona do peito/tronco, barriga e ombros. As cócegas são modo vulgar de estabelecer contacto e de brincar com crianças das idades das referidas menores. E carícias são, etimologicamente, festas e mimos. É o toque suave com a mão, como demonstração de afeto ou carinho. O tratamento da menor NNN por ‘fofinha’ e o ter-lhe o arguido dito que era ‘muito querida’, não assumem relevo para além de um comportamento desadequado em contexto escolar, entre professor e aluna. No que concerne à menor TTT, o desconhecimento da zona das pernas da mesma tocada pelo Arguido não permite ir além da qualificação de tal comportamento como desadequado em contexto escolar, entre professor e aluna.”
Sobre a atenuação e suspensão da pena, por cinco anos, concluem estar “convictos” de que, “não obstante o arguido não ter assumido a prática dos atos que se apurou ter cometido, os trâmites deste processo tiveram um enorme impacto na sua vida – os factos que neles estão em causa impõem desonra, a existência deste processo teve divulgação na comunicação social, foi imposta medida de coação privativa de liberdade, e tornou-se impossível continuar a lecionar”, dizem, considerando que a condenação imposta vai acompanhá-lo por período de tempo muito superior à menção da mesma no seu certificado do registo criminal.”
Pesou também não ter antecedentes criminais e a envolvência familiar, “o que nos leva a concluir que ainda dispõe de envolvência que permite ‘apostar’ que se vai afastar da prática de outros crimes.”