Bem no centro de Paris, a 300 metros de altura, encontra-se um dos apartamentos mais exclusivos do mundo. Não é especialmente espaçoso nem tem acabamentos de luxo. Possui mobília confortável, mas modesta. Ainda assim, a sua situação única, alcandorado como um ninho de águia no topo do maior ícone da capital francesa, dá-lhe um encanto irresistível. E as vistas, que nos dias límpidos se estendem num raio de 50 quilómetros, são soberbas. Desde, claro, que não se sofra de vertigens.
Nos anos finais do século XIX, a refinada alta sociedade parisiense daria tudo para poder passar ali uma noite. Mas Gustave Eiffel, a quem o dinheiro também não faltava, recusou sempre as ofertas milionárias. Preferia manter a privacidade do seu refúgio, longe dos olhares indiscretos e do ruído do mundo. Usava o espaço para as suas experiências científicas, medições meteorológicas e, uma vez por outra, para receber raríssimos convidados, como o inventor norte-americano Thomas Edison.
Havia, de resto, uma boa justificação para essas experiências: era preciso encontrar uma utilidade para a estrutura de ferro, de modo a garantir a sua sobrevivência para lá das duas décadas do contrato de concessão. A partir de 1 de janeiro de 1910 a torre pertenceria à cidade de Paris, que evidentemente se reservava o direto de a desmantelar e transformar em sucata.
Da química das tintas à Estátua da Liberdade
Hoje a forma da Torre Eiffel é tão omnipresente e familiar que nos parece óbvia. Temos dificuldade em considerá-la pouco mais do que uma evidência. E, no entanto, na época em que foi imaginada, estava muito longe de ser evidente.
O primeiro projeto de uma torre de 300 metros, a Centennial Tower, imaginada em 1874 por dois engenheiros americanos, era pouco mais do que um fruste obelisco metálico. Para a feira de Paris de 1889, que comemoraria o centenário da Revolução Francesa (1789), foram apresentadas mais de cem propostas, umas mais extravagantes, outras mais tradicionais, mas nenhuma com a elegância funcional e as curvas suaves do projeto vencedor.
Pela altura em que venceu o concurso, em 1886 (o contrato foi assinado em janeiro de 87), Gustave Eiffel era já um engenheiro famoso e bem-sucedido, com uma empresa em nome-próprio e inúmeros projetos de vulto no currículo. Um dos que lhe haviam trazido mais notoriedade era o da estrutura interior que suportava a Estátua da Liberdade. Mas mesmo nesse caso o seu trabalho ficara na sombra, cedendo o palco à escultura do seu compatriota Frédéric Auguste Bartholdi.
Embora tivesse começado pela química, com a esperança de vir um dia a assumir a gestão da fábrica de tintas do tio, a especialidade de Gustave Eiffel eram as pontes. Pouco depois de esse mesmo tio lhe abrir as portas da Companhia de Caminhos-de-Ferro do Oeste, o jovem engenheiro fez uma ponte ferroviária de 500 metros sobre o Garona, perto de Bordéus. Tinha então 25 anos. Aessa, muitas outras se seguiram, destacando-se a que em 1875 desenhou para o Porto, com um arco de 160 metros e cuja construção dispensou andaimes, a D. Maria Pia. Não é a única em Portugal que tem a sua assinatura.
Além das pontes (incluindo pontes ‘portáteis’ que se montavam sem dificuldade no local), projetou pavilhões para exposições universais, fábricas, gasómetros, a estação Nyugati de Budapeste, a sede do Crédit Lyonnais, observatórios e até igrejas pré-fabricadas. A torre de 300 metros, vista assim em perspetiva, faz lembrar um feixe de linhas de caminho-de-ferro que se erguem do chão em direção ao céu e se cruzam e confluem.
O desinteresse inicial
Vemo-la como uma proeza de engenharia e de design. Mas a Torre Eiffel é muito mais do que isso, como mostra Eiffel, o filme de Martin Bourboulon livremente inspirado na vida e feitos do engenheiro francês, atualmente em cartaz em Portugal. Curiosamente, de início Eiffel nem se interessou grandemente pelo projeto. Ao ver o primeiro esboço feito por Maurice Koechlin, em junho de 1884, não ficou entusiasmado.
Contudo, quando o arquiteto Stephan Suavestre lhe apresentou uma versão melhorada, já com os grandes arcos no primeiro piso, a sua posição mudou e abraçou o projeto de alma e coração. Prova disso é que se apressou a pedir uma patente, cujos direitos viria mais tarde a adquirir na totalidade.
Mas, para que a torre se tornasse realidade, havia muito mais a fazer do que retocar os desenhos. Em primeiro lugar, foi preciso cortejar o novo ministro do Comércio, Edouard Lockroy, e afastar a concorrência do caminho. Em seguida, reunir fundos, pois o milhão e meio de francos do patrocínio estatal não cobria sequer um quarto da despesa. Eiffel conseguiu convencer três bancos a participar.
Depois, pôr a fábrica a trabalhar a todo o gás e até desenvolver todas as ferramentas necessárias para produzir e montar as mais de 18 mil peças de ferro. A fincagem dos pilares nos solos alagados pelo Sena também se afigurava complicada, tenho exigido cofragens metálicas estanques que funcionavam com ar comprimido.
A ‘desonra de Paris’
Além de todos esses ‘obstáculos’, restava ainda um derradeiro desafio para superar: o da opinião pública. «Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos e amantes das belezas de Paris – que até então estavam intactas – protestamos com toda nossa força e toda nossa indignação, em nome do subestimado bom gosto francês, em nome da arte e da história francesa ameaçada, contra a edificação, no coração da nossa capital, da inútil e monstruosa Torre Eiffel, que a maledicência pública, muitas vezes imbuída de bom senso e espírito de justiça, já baptizou com o nome de ‘Torre de Babel’», começava o Protesto publicado no Le Temps de 14 de fevereiro de 1887.
Será que a cidade de Paris se vai associar durante mais tempo aos barrocos, às imaginações mercantis de um construtor de máquinas, para se tornar irremediavelmente feia e perder a honra? Porque a torre Eiffel, que nem a própria América comercial quereria, é, não duvidem, a desonra de Paris». Os notáveis comparavam ainda a torre a uma «negra e gigantesca chaminé de fábrica» que estenderia sobre a cidade «como uma mancha de tinta a sombra odiosa da odiosa coluna de chapa aparafusada». Entre os mais de 40 signatários do texto encontravam-se Alexandre Dumas filho, o compositor Charles Gounod e Guy de Maupassant.
Outro qualquer talvez tivesse simplesmente praguejado contra os malditos ‘artistas’ e desistido do projeto. Mas Eiffel tinha outras ideias. Respondeu aos insultos com elegância edeu continuidade ao «esqueleto feio e gigante», como lhe chamara Maupassant.
«A parte mais delicada do estaleiro é a junção das quatro grandes vigas do primeiro andar», escreve Bretrand Lemoine em La Tour de 300 mètres (Taschen). «Eiffel previu ‘caixas de areia’ para ajustar a posição da estrutura metálica ao milímetro, fazendo descer as arestas progressivamente. Dois dos pilares são igualmente reguláveis em altura por macacos hidráulicos. É arranjado um espaço em cada uma das sapatas para a instalação de um macaco de 9,5 centímetros de extensão e com uma força de 800 toneladas, accionado por uma bomba manual móvel. Isso permite que o assentamento das arestas varie ligeiramente e que se regule exactamente a coincidência entre os quatro pilares e a plataforma do primeiro andar».
Um milhão de visitantes por metro
Como se não houvesse ainda obstáculos suficientes, Eiffel teve de lidar com o descontentamento dos operários, que resultou numa greve em setembro de 1888. As condições, em especial no inverno, eram duras, e a jornada de trabalho longa. Mas os salários estavam acima da média do setor e, por estranho que pareça, trabalhar na torre a 200 metros de altura não era tão arriscado assim. Nos dois anos e meio que durou a obra, morreu apenas um operário, um italiano que alegadamente nem estaria a trabalhar, mas sim a exibir-se para a sua namorada.
O colosso de ferro foi inaugurado a 31 de março de 1889, mesmo a tempo da Exposição Universal, que começou a 6 de maio. Tornou-se um ícone imediato. Contra o prognóstico dos quarenta e tal artistas e escritores, que acreditavam que os turistas ficariam horrorizados, a torre gerou um enorme entusiasmo. Mas numa coisa os signatários do protesto estavam certos: a «Paris dos góticos sublimes» deu lugar «à Paris do Senhor Eiffel».
Na exposição de 1889 a torre foi visitada por dois milhões de pessoas. Desde então e até hoje, estima-se que tenha recebido cerca de 300 milhões. Mais coisa menos coisa, dá um milhão por cada metro.