Para os amantes de corridas de touros, estas não são boas notícias: a Plaza México, a maior praça de touros do mundo, está proibida de receber espetáculos após a decisão de um juiz. As portas da arena, localizada na Cidade do México, encerraram na passada sexta-feira e assim vão permanecer até que os tribunais de recurso tomem uma decisão final, o que pode levar meses.
Em causa está uma ação interposta pela associação Justiça Justa, que defende que as touradas violam o direito a um “ambiente saudável” e, por consequência, são uma violação dos direitos humanos. “A sociedade está interessada no respeito à integridade física e emocional de todos os animais porque são seres vivos que fazem parte dos ecossistemas e, assim, contribuem com os benefícios ambientais que são essenciais para o ser humano”, disse o juiz Jonathan Bass.
Na sentença, com mais de cinquenta páginas, o juiz desmonta os argumentos dos defensores da tauromaquia e detalha, um por um os danos emocionais e físicos que sofrem os animais durante as corridas, baseando-se num documento da PAOT, organismo de proteção animal do Governo da Cidade do México.
Para a Federação Portuguesa de Tauromaquia (ProToiro) não há dúvidas que esta é uma decisão “absurda e absolutamente ilegal”, como disse ao i, Hélder Milheiro, secretário-geral da federação. E acrescenta que “é preciso entender que é uma decisão que se iniciou com um processo cautelar e que é dentro dessa área que está a ser resolvido. É uma decisão ainda transitória e que vai ser recorrida, ainda está longe de ter uma decisão final”.
Hélder Milheiro diz ainda ao i que a matéria invocada é “uma decisão absolutamente grosseira, que passa por cima de tudo aquilo que é o enquadramento legal, cultural e patrimonial e de proteção legal e jurídica que daí advém neste país”. Visivelmente contra a iniciativa, o secretário-geral da ProToiro diz ainda que esta decisão “vai recorrer-se de uma particularidade legislativa mexicana e daí conclui com uma proibição ao impedimento e realização desses espetáculos”.
“A decisão é grosseira, absurda e ilegal e quando ela chegar ao seu fim no processo legal que está em causa no tribunal temos muita certeza e esperança que ela não se manterá”.
O responsável recorda que, neste momento, na cidade do México, não é a época taurina, que decorre no inverno europeu, sobretudo durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro. Por isso, neste momento é uma fase em que praticamente não há atividade tauromáquica no México. “Aquilo que esperamos é que quando chegar a temporada taurina do ano que vem, ou seja, da temporada de 22/23, já haja uma decisão final e, obviamente, tenha caído esta decisão absurda e aberrante em termos legais”.
Questionado sobre se esta decisão terá impacto em Portugal, fazendo com que outras associações anti-touradas tentem seguir o mesmo caminho, Hélder Milheiro diz que não. E justifica. “O argumento legal invocado é uma legislação específica mexicana, não existe noutros países – praticamente em nenhum país do mundo – que tem a ver com o direito a um meio ambiente saudável. É um conselho jurídico muito vago, muito pouco rigoroso e que por isso está a ser usado de uma forma abusiva”, diz, acrescentando que “esse tipo de legislação e esse tipo de enquadramento não existe na Europa ou noutros países taurinos além de que, como dizia, não podemos esquecer-nos que os direitos culturais e o direito à cultura, quando acesso dos cidadãos à cultura e à criação cultural são direitos fundamentais em qualquer democracia e, por isso, é um absurdo que isto pudesse ser feito em qualquer outro país e até no México”.
E vai mais longe: “Se não passa pela cabeça de ninguém proibir o teatro, a ópera, o bailado ou a música, é exatamente igual com as touradas. Em termos legais é exatamente igual porque tem o mesmo enquadramento jurídico. Em democracia, a cultura pertence aos cidadãos e ao povo e o Estado não cria culturas nem proíbe culturas, estando constitucionalmente impedido de o fazer. Pelo contrário, está obrigado à promoção do acesso à cultura e à criação cultural dos cidadãos. Por isso, esta decisão é completamente aberrante e ela passa por cima de outras dimensões jurídicas que protegem as tradições culturais”.
Também o histórico socialista João Soares, defende que esta decisão é “um disparate”. “Acho isso um disparate mas nós estamos a viver num mundo de disparates”, começa por dizer ao i. “Estamos a viver num mundo de fundamentalismo, disparatado. Não acredito que os mexicanos façam uma coisa dessas. É um disparate, é a única coisa que posso dizer. Espero mesmo que não vá para a frente”, finalizou.
Quem também se mostrou contra esta decisão foi o profissional de toureio Rui Fernandes. “Tem muito a ver com a política. Hoje em dia a tauromaquia sofre imenso devido à política que usa muito a tauromaquia como moeda de troca”, começa por defender ao nosso jornal. Em relação ao que aconteceu com a Praça México defende que “é mais uma daquelas reações dos anti taurinos que tanto nos perseguem nestes últimos anos e que depois, a nível de conhecimentos políticos e questões políticas conseguem, por vezes, estas vitórias”. No caso da Praça México, diz pensar ser “uma coisa que não vai acontecer, vão voltar a ter corridas de touros”. Até porque, diz, “a nível legal, não o podem fazer”.
Para o cavaleiro “não nos podemos esquecer que a Praça México está num sítio, da maneira que está situada na cidade do México, em que, se calhar, era mais bonito ter lá uns prédios do que ter a praça México para ter lá corridas de touros. Hoje em dia podemos pensar mas não podemos dizer, vivemos numa democracia disfarçada”.
E critica a sociedade atual: “A tauromaquia é uma das coisas que nós aficionados – e eu que sou profissional – nos podemos gabar que não temos cores, não temos partidos políticos. É uma coisa que é para todo o tipo de pessoas. É o mundo em que hoje em dia vivemos”. E finaliza: “Oxalá estas novas gerações tenham outra maneira de pensar e de estar e que voltem aos valores antigos em que a palavra valia tanto. Hoje em dia as pessoas assinam e falham. É o que temos”.
O outro lado da moeda Para o PAN a decisão é vista com bons olhos. “É uma decisão que não podemos deixar de aplaudir e que no entender do PAN tem um forte significado, tendo em conta que a praça de touros da cidade do México é a maior do mundo, mas também, em que o tribunal reconhece o “valor intrínseco de todos os animais como seres sencientes, incluindo sem exceção alguma, os touros de lide”, que “as touradas são uma atividade recreativa em que um animal é ferido, torturado e eventualmente morto”, bem como, que a “a sociedade está interessada em respeitar a integridade física e emocional de todos os animais porque são seres vivos que compõem os ecossistemas e, portanto, contribuem para serviços ambientais que são essenciais para os seres humanos”, começa por dizer o partido ao nosso jornal.
E avança ainda que esta decisão “é também um reflexo daquilo que está a acontecer em todos os países onde ainda persistem as touradas, em que a sociedade civil e em particular as organizações não governamentais de proteção animal reclamam pela abolição da atividade e o fim do sofrimento provocado aos animais na arena”.
O PAN diz ainda que, por exemplo, no México já vários estados “proibiram este tipo de espetáculo cruel ou colocaram fortes limitações em termos da exposição das crianças a este tipo de violência”.
E deixa como exemplo o Congresso do Estado de Sonora, um dos maiores do México, que aboliu por unanimidade as touradas, “ao aprovar uma nova lei de proteção animal que deixou clara a proibição de licenciar a realização de touradas, novilhadas, bezerradas ou qualquer tipo de toureio a pé ou a cavalo”.
E há mais: “O próprio Comité dos Direitos da Criança da ONU já tinha considerado em 2015 que a exposição de crianças e jovens à violência das touradas é “uma das piores formas de trabalho infantil no México”. Desde aí que as autoridades têm adotado medidas no sentido de restringir e combater a violência tauromáquica”.
O partido português não deixa de lado o exemplo espanhol onde “se desenvolveu este divertimento, a população já é maioritariamente favorável à abolição das corridas de touros segundo todas as sondagens e o interesse dos espanhóis tem vindo a decrescer de forma muito significativa”.
Mas era possível o mesmo acontecer em Portugal? “Acreditamos que é possível”, avança o partido liderado por Inês Sousa Real. “As touradas contrariam os valores de empatia e respeito pelos animais. São uma forma de violência intolerável no nosso tempo”, diz, lembrando o jovem de 15 anos que no passado mês morreu numa largada de touros na Moita.
“Desde 2014 que as autoridades portuguesas estavam alertadas para a participação de crianças em largadas e para os riscos de acontecer uma tragédia. O Comité dos Direitos da Criança alertou o Estado Português em 2019 para o perigo das largadas de touros e para a necessidade de serem adotadas medidas de proteção dos menores de 18 anos. Nada foi feito para impedir a morte deste menor de idade”, avança ainda o PAN ao i, lembrando que “não existe uma fiscalização eficaz da aplicação da legislação em Portugal, nomeadamente do Regulamento do Espetáculo Tauromáquico”.
Ao nível jurídico, o PAN diz ser “curioso” que o “regulamento tauromáquico seja tão específico em relação ao traje dos artistas, mas não fale dos cavalos nem de espetar bandarilhas nos touros. Isso não está escrito em lugar algum, pelo que a realização de touradas nos moldes atuais é bastante questionável a vários níveis, nomeadamente no que respeita à sua compatibilização com outros valores e bens jurídicos protegidos”.
E finaliza: “Não podemos deixar de referir que esta matéria tem sido objeto ao longo dos anos de inúmeras iniciativas de cidadãos que reclamam pela sua abolição e que existem vários estudos e sondagens que indicam que os portugueses apoiam o fim dos apoios públicos a esta atividade, assim como o fim da mesma”.
Enquadramento e outros casos Desde 2019 que a justiça mexicana decide se proíbe ou não as touradas. Uns dizem que esta é uma questão cultural, outros defendem que os animais estão a ser maltratados.
No mundo, existem outros casos: Em 2010, a Catalunha foi a segunda comunidade autónoma espanhola a abolir as touradas, depois das ilhas Canárias, em 1991. No entanto, seis anos depois, o Tribunal Constitucional espanhol anulou a proibição da realização de corridas de touros aprovada pelo Governo da comunidade autónoma da Catalunha, considerando que aquela decisão foi uma ingerência em competências do Governo central.
O Governo regional pode vetar um espetáculo público determinado para proteger os touros, mas não pode proibir uma festa que é património cultural por decisão do Governo central, explicou o TC numa declaração.