"No meu ponto de vista, esta reunião fez parte de uma encenação resultante da pressão pública e da evidência de problemas de falta de médicos no SNS. A proposta de tratar unicamente as horas extraordinárias não pode ser considerada como suficiente já que não responde às necessidades estruturais do SNS", começa por explicar, em declarações ao Nascer do SOL, Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) no rescaldo da reunião no Ministério da Saúde.
"Em relação à proposta, concretamente, o facto de ser limitada no tempo – três meses -, só fazer efeito a partir da 151.ª hora não faz sentido. Deverá ser desde a primeira. E outro aspeto limitativo é o facto de não poder ultrapassar aquilo que se gastou no mês homólogo de 2019. Com estas limitações, é mais um incentivo aos prestadores de serviços do que um incentivo a que os médicos do SNS o façam", avança o dirigente.
É de lembrar que, em abril, como o SIM também noticiou, foi publicada no Diário da República a alteração ao Acordo Coletivo de Trabalho n.º 2/2009 assinada em novembro de 2021 que revogou o limite anual de duração do trabalho suplementar de 200 horas. Desta forma, passou a aplicar-se o limite anual de duração do trabalho suplementar estabelecido pelo Artigo 228.º do Código do Trabalho, ou seja, 150 horas.
"Até porque os nossos prestadores, para além do valor que ganham, têm a garantia de pagamento, a possibilidade de fazer urgências quando entendem e sem a limitação dos três meses", observa um dos representantes dos médicos que participou na discussão de um projeto de diploma sobre as matérias de remunerações em serviço de urgência num encontro que teve a duração de aproximadamente três horas.
"Esta proposta pontual só para os Serviços de Urgências e, ainda por cima, enquadrada na falácia que é a contratação de médicos… São médicos que concluíram o internato médico e já trabalham no SNS. Trabalham muito. Estão nas escalas, operam, são muito mal pagos e trabalham tanto quanto um especialista!", exclama o médico que exerce funções na Unidade de Saúde Familiar (USF) da Travessa da Saúde, em Camarate, no concelho de Loures.
"Ainda por cima, sabendo a senhora ministra que nos últimos três anos deixaram as vagas desertas é uma falácia tal como a contratação de médicos estrangeiros. Todos sabemos que o mecanismo é o contrário: vêm contratar médicos portugueses. Em Espanha, para além de ganharem mais, têm uma carga fiscal muito menor", aponta, sendo que esta é uma realidade conhecida e já narrada pelo Nascer do SOL. Por exemplo, quando contou a história de Filipa Miguel, de 43 anos, médica que viveu durante quatro anos na Suécia e somente regressou a Portugal em 2018.
"Infelizmente, não sendo uma situação conjuntural ou sequer sazonal, e tendo ouvido o senhor ministro das Finanças dizer que não é uma questão financeira demonstrando algum desconhecimento do que está em questão, o secretário-geral do SIM tem todo o gosto em convidá-lo para uma reunião onde possa explicar que o problema não tem a ver com a velhice, folgas, férias nem com o subfinanciamento estrutural do SNS. Como é evidente, a senhora Ministra da Saúde não o tem conseguido fazer", esclarece Roque da Cunha.
O médico refere-se ao facto de Fernando Medina ter dito que “o que está a acontecer relativamente no nosso Serviço Nacional de Saúde não decorre de nenhum condicionamento financeiro que tenha sido imposto”, em declarações às estações televisivas. “Aliás, pelo contrário”, frisou, destacando o “reforço significativo” de 700 milhões de euros para o SNS, incluído no Orçamento do Estado para 2022.
"Fomos tratados muito cordialmente, a senhora secretária de Estado da Saúde pareceu genuinamente preocupada com a situação", conclui Roque da Cunha, recordando que Maria de Fátima Fonseca apontou que "foi só uma primeira reunião". A dirigente não se mostrou surpreendida e avançou mesmo que decorrerá um novo encontro no próximo dia 22 deste mês. Mas, a seu lado, os representantes sindicais asseveraram que vão trabalhar numa contra-proposta para apresentar num futuro próximo.