Por Virgílio Machado, Professor UALG e Autor de Portugal Geopolítico
O romance histórico Guerra e Paz do escritor russo Lev Tolstoi no século XIX inspira os tempos atuais. O drama da narrativa pulsa o sentimento nacional russo por excelência: a insegurança. Um enigma de solidão. Como dizia o filósofo Pyotr Chaadaev, «os russos nunca caminharam ao lado das grandes famílias da raça humana».
Pode existir uma explicação geopolítica. O não se sentir europeu ou asiático, mas simplesmente russo. Ser-se extenso em terra, mas bloqueado no mar. Com um nascente solar livre a Este, mas reduzido no pôr do sol a Oeste, para onde se movimenta população, competindo em estreitas faixas terrestres com outros povos. Ter-se riqueza energética na Sibéria em grandes extensões, mas com pouca vida humana, taigas e solos pobres para agricultura. Estes paradoxos geraram anexações a vizinhos. E invasões de Estados-Império com vocações hegemónicas continentais.
O recente conflito Rússia-Ucrânia padroniza a História. Desde o Império Mongol ou com os impérios sueco e francês, e, no século XX, com o regime nazi alemão. Século XXI, mais um pulsar nesta direção. Estará a Rússia condenada à guerra? Ou, pelo menos, a períodos sucessivos e intermitentes de guerra e paz militar?
A geopolítica assume claramente que a competição pela energia é uma das fontes supremas da guerra. Para sua superação, é necessário converter mecanismos de dependência em interdependência. Se necessitamos de gás e petróleo russos, não é menos verdade que a Europa lhe pode proporcionar mar, mercados e população. A diplomacia inteligente utiliza metodologias de conversão e troca da energia. Basta verificar que o maior país continental do mundo não é um poder asiático. Quase 75 % da sua população vive na Europa até aos Urais. O problema russo-europeu necessita de um enquadramento internacional onde a energia trocada é assumida como transação geopolítica, com sujeitos reconhecidos e mecanismos de garantia.
Entender a busca da energia como fonte da guerra ajudará a compreendê-la como instrumento de paz. Todavia, o que falta fazer é atribuir significados e medidas geopolíticas à energia. Planeando, estruturando e aplicando fontes de energia geopolítica opostas, mas convergentes. Entre Europa e Ásia, mecanismos de medição, negociação e monitorização permanentes aportariam o movimento, a comunicação, o mercado. Que faltam à Rússia. O que a China faz inteligentemente. Não haverá alternativa. O mundo nuclear a tal obriga. E seus desafios ambientais também.
Atribuir valor geopolítico designadamente, a recursos naturais, minerais, tecnológicos, organizacionais e humanos, é o início de um caminho de superação. Da guerra atual entre o Ocidente e a Rússia. Como parte fundamental de uma organização de segurança em energia mundial. Dispondo de metodologias para cruzar significados geopolíticos em mecanismos de reciprocidade aceites e trocados em organizações internacionais. Com uma agenda de solidariedade e bem comum no sentido de atribuir a todo e a cada ser humano uma unidade mínima de energia incentivando sua produção sustentável em ordem a valores convergentes. A paz baseia-se no princípio indivisível de que o mundo, para ser seguro, é uma casa comum.