Com o regresso à normalidade após o levantamento de restrições relacionadas com a pandemia, muitos são aqueles que querem viajar. Mas viajar de avião este verão pode ser um verdadeiro exercício de paciência. À semelhança do que se tem passado no aeroporto de Lisboa, está instalado o caos em vários aeroportos europeus e também nos Estados Unidos que se debatem com uma retoma rápida da procura, enquanto não conseguem recontratar os funcionários dispensados no auge da crise sanitária.
Em Lisboa, os tempos de espera na área das chegadas do aeroporto chegaram a ultrapassar as três horas, devido à insuficiência de recursos e de postos de controlo de fronteira em funcionamento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Um pico de afluência terá motivado os constrangimentos no Aeroporto Humberto Delgado, já depois de no final de maio, o Ministério da Administração Interna ter apresentado um plano para tentar responder ao aumento de afluência de passageiros esperado com a chegada do verão.
Os passageiros sem passaporte da União Europeia têm sido os mais afetados, entre eles muitos cidadãos brasileiros que se queixam ainda de malas extraviadas. É o caso de Claudia Bellizzi, que viajou de Londres para Lisboa num voo da TAP a 17 de junho e embarcou no dia seguinte num avião da mesma companhia aérea com destino a Recife, no Brasil.
“A minha bagagem de três malas até hoje ainda não chegou. Fiz uma reclamação no aeroporto de Recife, quando aterrei e disseram-me que a bagagem chegaria na manhã seguinte”, conta a brasileira, acrescentando que ao contactar a TAP um funcionário da companhia portuguesa a aconselhou a procurar a empresa responsável pelo tratamento das bagagens para tentar localizar as malas.
No aeroporto de Schiphol, em Amesterdão, Países Baixos, milhares de passageiros também têm de enfrentar longas esperas para embarcar e desembarcar. No controlo de segurança as filas são intermináveis, levando a que alguns passageiros acabem a perder os voos. No Twitter, uma internauta escreve que na terça-feira às 18h locais (17h em Lisboa), os passageiros tinham de percorrer “três quilómetros de fila para chegar ao controlo de segurança”.
Na origem do problema está a falta de funcionários de segurança e de tratamento de bagagens, que se acumulam nos corredores. A situação agravou-se na segunda-feira, durante a greve dos funcionários da limpeza do aeroporto.
Perante a incapacidade de resposta, devido à escassez de pessoal, o aeroporto nos últimos dias viu-se obrigado a tomar medidas, suprimindo voos e reencaminhando até 13 mil passageiros diariamente para os aeroportos de Roterdão e Haia. Além disso, vai limitar em 70 mil o número de passageiros diários naquele que é o período de maior movimento de viagens na Europa. Este limite equivale a uma redução em 16% .
A decisão vai afetar diretamente a companhia aérea holandesa KLM, que tem o seu principal centro de operações naquele terminal aéreo. Nos próximos dias, a companhia terá que cancelar centenas de voos.
“Haverá passageiros que este verão não poderão voar a partir de Schiphol”, anunciou o diretor do Aeroporto de Schiphol, Dick Benschop, garantindo que “definir um limite agora significa que a grande maioria dos viajantes poderá viajar de maneira segura e responsável”.
No passado domingo, no aeroporto de Heathrow, em Londres, Reino Unido, milhares de malas ficaram para trás. Uma avaria no sistema de distribuição de malas do aeroporto, sem que houvesse quem as distribuísse manualmente, terá levado a que as bagagens se amontoassem num imenso tapete que entupiu os corredores do terminal.
Para atenuar a confusão, foi pedido às companhias áereas que cancelacem 10% dos voos de e para Heathrow. Cerca de 90 aviões ficaram em terra e 15 mil passageiros foram afetados.
A falta de recursos humanos e as greves setoriais em preparação para a retoma rápida estão a levar a que o cenário se repita noutros aeroportos europeus como os de Estocolmo, Bruxelas, Paris, Dublin, Madrid e Barcelona.
“Perderam-se muitos profissionais qualificados e agora a indústria tem de voltar a contratar pessoas e voltar a formá-las de forma a poderem servir os passageiros”, afirmou o diretor executivo do aeroporto de Heathrow, John Holland Kaye, admitindo que isso leva algum tempo. “Creio que vai demorar 12 a 18 meses até que a indústria recupere a capacidade de antes da pandemia.”
Em Gatwick, Londres, a capacidade para acolher viagens ao longo dos próximos três meses também foi limitada após dezenas de voos terem sido cancelados à última hora por falta de funcionários para garantirem resposta ao aumento da procura.
A britânica EasyJet já anunciou que vai cancelar milhares de voos programados para os meses de verão. A maioria das viagens será eliminada nos aeroportos de Londres Gatwick e de Amesterdão, duas das maiores bases da EasyJet na Europa, mas de acordo com Johan Lundgren, diretor executivo da companhia aérea, outros aeroportos poderão ser afetados.
De acordo com o The Telegraph, cerca de quatro mil voos foram e ainda serão cancelados desde abril e até ao fim deste trimestre. Entre julho e setembro, deverão ser canceladas oito mil viagens da EasyJet.
A decisão surge na sequência de o Departamento de Transportes e Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido ter pedido às companhias aéreas para adaptarem os seus horários e planos de viagem à falta de recursos humanos nos aeroportos e ao aumento da procura por viagens.
A companhia britânica passará a voar a apenas 87% da sua capacidade de voo pré-pandemia no restante mês de junho e a 90% dessa capacidade entre julho e setembro. Em maio, a perspetiva era que a companhia aérea pudesse voar a 90% de sua capacidade de voo pré-pandemia até 30 de junho e a 97% entre julho e setembro.
Também a convocação de greves no setor aéreo têm agitado os céus da Europa. Funcionários de várias empresas exigem melhores condições de trabalho diante da retoma acelerada do tráfego aéreo.
O descontentamento na Ryanair levou a que sindicatos de comissários de bordo em vários países pedissem aos funcionários da companhia irlandesa que aderissem à greve no próximo fim de semana.
Em Portugal, Espanha, França, Bélgica e Itália, os comissários de bordo exigem respeito ao direito laboral e um aumento salarial. Por cá, os funcionários da Ryanair são chamados à mobilização de 24 a 26 de junho para protestar contra a degradação das condições de trabalho.
A 12 e 13 de junho, uma greve provocou o cancelamento de um quarto dos voos da Ryanair em França, o equivalente a cerca de quarenta voos. Na altura, o representante do Sindicato Nacional do Pessoal da Navegação Comercial (SNPNC) francês, Damien Mourgues, acusou a empresa irlandesa de não respeitar os tempos de descanso, conforme previsto no código da aviação civil.
Em Espanha, os sindicatos convocam os comissários de bordo da low-cost à greve nos dias 24, 25, 26 e 30 de junho, bem como nos dias 1 e 2 de julho. E também na Bélgica haverá manifestações.
Na semana passada, Michael O’Leary, CEO da empresa, minimizou o impacto dessas greves. “Garantimos 2 500 voos por dia. A maioria desses voos continuará garantida”, assegurou, numa conferência de imprensa em Bruxelas.
No passado domingo, foi a vez dos pilotos da Ryanair se juntarem aos comissários de bordo e pediram uma paralisação a partir desta sexta-feira.
A onda de contestação também está a afetar a low cost britânica EasyJet em Espanha, uma vez que a Unión Sindical Obrera (USO) está a planear nove dias de greve em julho nos aeroportos de Barcelona, Málaga e Maiorca, nas Ilhas Baleares. Os funcionários da Brussels Airlines, subsidiária da Lufthansa, também estarão em greve a partir de hoje durante três dias.
Os problemas não se fazem sentir apenas neste lado do Atlântico. Só no domingo nos Estado Unidos cerca de mil voos foram cancelados. De sexta-feira a domingo, a contabilização ascendeu a cerca de 14 mil voos cancelados ou que sofreram atrasos.
Hartsfield-Jackson, em Atlanta, foi um dos aeroportos mais atingidos, deixando vários passageiros retidos no fim de semana passado quando uma das companhias aéreas locais, a Delta, cancelou e alterou dezenas de voos programados.
A Delta atribuiu os atrasos e cancelamentos ao aumento de baixas médicas devido à covid-19, mas também ao mau tempo. Na semana passada, a empresa avançou que planeava cancelar 100 voos por dia nos meses de julho e agosto para evitar novos constrangimentos nas viagens durante este verão.
Entre os aeroportos com o maior número de cancelamentos estão a principal base da American Airlines no aeroporto Charlotte Douglas, na Carolina do Norte; o LaGuardia e o Newark Liberty na área de Nova Iorque; e o Reagan Washington National em Washington DC. Na costa oeste dos EUA, o LAX, em Los Angeles, Califórnia, cancelou um total de 40 voos no domingo e viu outros 181 voos atrasados.
O diretor executivo da companhia aérea de baixo custo norte-americana JetBlue, Robin Hayes, alegou que as companhias aéreas estão a ser indevidamente culpadas pelos constrangimentos e que os limites operacionais têm atrapalhado os planos de recuperação do setor.
“Nos EUA, apenas há algumas semanas é que foi removido o requisito de teste obrigatório à covid-19 para viajar. Portanto, esta será uma retoma lenta e ainda há muita incerteza”, explicou.
De acordo com o responsável a recuperação pode levar o resto do ano e não será feita de imediato. “A JetBlue pode adicionar mais 10% a 15% da capacidade e temos os aviões para fazer isso. Mas a situação ainda é muito frágil portanto, neste momento, temos de planear de forma mais conservadora.”
No mesmo sentido, o presidente da Emirates, Tim Clark, argumentou que a escassez de mão-de-obra é uma consequência inevitável da covid-19.
“A pergunta que todos fazemos é: Para onde foram todos os trabalhadores?”, descreveu, acrescentando que a persuasão é a maneira mais apropriada de atrair trabalhadores de volta ao setor por oposição aos aumentos salariais.
“Podemos dar incentivos para retomarem o trabalho, mas essa é uma maneira muito inexperiente de fazer as coisas. Ninguém fez isso nesta escala antes”, considerou.
De acordo com os últimos dados revelados pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), em 2019, o setor de aviação a nível global empregava 90 milhões de pessoas. Três anos depois, esse número foi reduzido para menos de metade: 44 milhões.
No meio da confusão que se faz sentir nos aeroportos europeus e norte-americanos, há regiões que resistem e outras que conseguiram lidar com a questão da mão-de-obra a tempo. Os aeroportos do Dubai e Doha estão de volta a operar a ritmos normais, tendo aberto muito mais cedo numa altura em que o volume de voos era bastante menor quando outras regiões do mundo ainda permaneciam fechadas ao turismo.
Isso deu tempo às companhias aéreas e aeroportos do Médio Oriente para garantir que o aumento de voos acompanhasse a recontratação de funcionários. Segundo, o diretor executivo da Qatar Airways, Akbar Al Baker, na última campanha de recrutamento que a companhia lançou havia mais de 20 mil inscrições para apenas 900 posições.
Apesar da ainda escaparem ao caos, os aeroportos asiáticos podem muito bem ser os próximos a atravessar dificuldades semelhantes às da Europa e dos Estados Unidos.
O vice-presidente regional da Iata para a Ásia-Pacífico, Philip Goh, disse na segunda-feira que “a Ásia ainda não está vendo muito congestionamento nos aeroportos”, mas que já existem sinais alarmantes na Austrália.
O responsável destacou ainda o Japão como um possível foco de problemas quando aquele destino turístico abrir portas após o bloqueio que se tem vindo a prolongar no tempo.
“Se os aeroportos e as companhias aéreas forem inteligentes o suficiente para analisar os problemas que a Europa enfrenta, devem ser capazes de planear antes que a procura aumente. Caso contrário, não aprendemos nada com esta situação”, alertou.
Na Ásia, o tráfego de passageiros está agora em 22% face aos níveis pré-covid-19, muito menor do que noutras regiões, mas espera-se que aumente rapidamente para mais de 70% até ao final do ano. Já na Europa, o tráfego de passageiros já paira em torno de 75% em relação aos níveis pré-pandemia.