A peça de teatro Chovem amores na rua do Matador, produzida em Maputo pela Fundação Fernando Leite Couto, vai ser apresentada em Portugal numa digressão por várias cidades, durante o próximo mês de Julho. O Nascer do SOL falou com um dos autores do texto, o escritor Mia Couto.
Este texto surge no livro seu e de José Eduardo Agualusa intitulado O terrorista Elegante. Conte-nos como surgiu a peça e o livro.
Eu e o Agualusa fomos ao longo dos últimos anos escrevendo textos para grupos de teatro em Portugal, no Brasil, em Angola e em Moçambique. Num certo momento, surgiu a ideia de fixarmos esses textos sob a forma de contos, uma vez que sabemos da nossa fragilidade como dramaturgos. Ficámos fechados do mundo, fazendo com que essas histórias regressassem a um formato em que nos sentíssemos mais confortáveis. Esse formato era o conto. Esta peça é um desses três contos e é talvez a mais divertida das histórias. O nome é complicadíssimo (nem nós nos recordamos nunca dele): Chovem amores na rua do matador.
Mas a peça já foi apresentada em Moçambique.
Sim e correu muito bem. Isso é devido, sobretudo, à qualidade da encenação e ao soberbo trabalho dos atores. É preciso dizer que o teatro moçambicano é hoje uma das formas de artes mais vivas e interventivas em Moçambique. Acho que seria importante os portugueses irem ver este trabalho, porque me parece que devemos pôr fim a este desconhecimento que temos daquilo que vamos fazendo no espaço da nossa língua comum. Para alguém com responsabilidade pública é um modo eficiente e delicado de fazer diplomacia cultural.
E a digressão ficará por Portugal?
Não. Recebemos convites de outros países como o Brasil, Angola e Cabo Verde. Ficamos muitos felizes com essa abertura. Fala-se muito de lusofonia, mas faz-se muito pouco. As trocas de espectáculos de teatro podem ser um veículo para a construção dessa família.
Reconhece que pode existir algo que se perde na transposição para o teatro ou o cinema?
É um jogo em que não se pode aplicar os verbos ‘perder’ ou ‘ganhar’. Ao ser adaptado um livro viaja para um outro território com outra lógica, outra linguagem. Não deve haver tentação de comparar. Neste caso, ainda menos pois o texto original nasceu para o teatro, transitou para conto e regressou à casa onde havia nascido. Acho que o trabalho de encenação e dos atores enriqueceu muito aquilo que nós, eu e o Agualusa, tínhamos imaginado.
Ajudou o facto de ter estado presente durante a adaptação?
Ajudou, sim. Mas é preciso dizer que eu estive presente não com o sentido de posse da história. Eu fui parte da equipa e tomei a postura de me colocar ao serviço da encenação. Fiz o mesmo com os atores: por vezes, alterámos o texto juntos, para que ele fosse mais verdadeiro e surgisse realmente de dentro de cada um dos atores.
Aqueles rostos e aquelas vozes correspondem, então, àquilo que o Mia e o Agualusa tinham imaginado?
Não exatamente. Mas no sentido em que a realidade do palco superou a fantasia do texto. Quem conhecer o livro pode certamente comprovar este sentimento que nós, os autores do livro, sentimos quando vimos a peça em Maputo.
Sente que esta adaptação teatral é fiel ao texto original?
Sim. O que me parece espantoso é que o texto foi praticamente transposto e apenas, aqui e ali, foi necessário um ajuste. Tive o privilégio de trabalhar diretamente com os encenadores (o Vitor Gonçalves e a Clorigo Girrugo) e com os atores e atoras. O que era texto escrito foi migrando para voz teatral de uma forma orgânica e, para mim, foi uma aprendizagem inesquecível. O Agualusa participou à distância, mas ele, quando viu os ensaios, ficou entusiasmadíssimo. E foi a tempo de contribuir também com sugestões que foram incorporadas na encenação e na direção de atores.
Alguma mensagem final?
Um convite caloroso e convicto para que os portugueses assistam a essa peça. Tenho a certeza que será um momento tão gratificante como foi para mim e para os espectadores moçambicanos.
O espetáculo Chovem Amores na Rua do Matador, realizará a sua digressão em julhoem Portugal nos concelhos de:
Loulé, 2; Évora, 6 e 7; Faro, 8 e 9; Covilhã 12; Coimbra, 13 e 14; Seixal, 16; Setúbal, 17; Serpa, 20; Caldas da Rainha, 21 e 22; Figueira da Foz, 23; Viseu 27 e Almada a 29.