Morreu António Ribeiro Ferreira aos 73 anos

Foi quase tudo no jornalismo, no i foi diretor, andou por vários jornais e deixa uma marca de liberdade e de rebeldia em quem trabalhou com ele.

Foram as cheias de 1967, que mataram centenas de pessoas na zona da grande Lisboa, que o fizeram mudar de rumo e decidir que queria ser jornalista. “A emoção e o medo de entrar no Instituto Superior Técnico foi em outubro de 1967. O despertar para a vida veio mais tarde, quando, de pá na mão, andei por vilas e aldeias a limpar lama, a descobrir cadáveres e a revoltar-me contra um regime que deixou 500, 600 ou 700 pessoas morrerem nas inundações desse ano maldito. E foi então que as terríveis aulas de Matemáticas Gerais, Geometria Descritiva, Desenho e Química deram lugar a dias seguidos de lama, fome, frio, cansaço e muita revolta. A cadeira Lamas mudou-me a vida e marcou-me até hoje”, escrevia no i António Ribeiro Ferreira a 25 novembro de 2017, 50 anos depois da tragédia.

António, na sua vida de jornalista, acabaria por ser diretor do i, tendo também sido editor e chefe de redação. Muito antes disso, andou pelo extinto semanário Tempo, passou pelo Notícias de Primeira Página, foi editor e chefe de redação do Liberal, editor do Diário de Lisboa, tendo ainda passagens pelo Independente, onde se cruzou com Paulo Portas, depois foi diretor adjunto de Mário Bettencourt Resendes no Diário de Notícias, passando ainda pelo Correio da Manhã. Como já se percebeu, António_Ribeiro Ferreira passou por meio mundo dos jornais e aqueles por onde não andou foi por divergências de última hora, como chegou a confessar-me. Mal se soube da sua morte, foram muitas as chamadas que recebemos, uma das quais, reveladora da imagem que deixou nas redações. “Vítor, não te esqueças de falar no Óscar, o cão que ele tratava por Pequenino. E que odiava iscas e tinha um feitio lixado na hora de fecho, para se desfazer em meiguices assim que o jornal fechava”.

Na reportagem dos 50 anos das cheias da Grande Lisboa, António terminava o texto da seguinte forma: “A minha primeira cadeira no Técnico, Lamas I, acabou em meados de dezembro. A PIDE atacou a associação de várias maneiras. Chamou a direção à António Maria Cardoso para a intimidar. Queria saber de onde vinha o dinheiro, se os estudantes andavam a distribuir panfletos contra o regime às populações. A minha primeira cadeira no Técnico, Lamas I, mudou toda a minha vida. Fez-me crescer, ganhar consciência do país em que vivia, de quem o governava e da realidade miserável que eu não conhecia. Lamas I foi uma cadeira para a vida. Foi uma cadeira que me fez homem. Um ano depois, na véspera de Natal de 1968, o licenciado em Lamas foi expulso de casa dos pais. Lamas I não se esquece. Lutar contra o regime era ser fiel a Lamas I. E assim foi”.

Morreu aos 73 anos, depois de uma longa batalha contra um cancro.