Pequim não está nada contente que, à boleia da invasão russa da Ucrânia e da sua recusa em alinhar com as sanções ocidentais ao Kremlin, tenha sido declarada como um risco para a NATO, durante a cimeira que terminou esta quinta-feira, em Madrid. Há sinais que o regime chinês não está satisfeito com a prestação russa na guerra – ainda na segunda-feira Kiev anunciou que obrigou os russos a retirar da Ilha das Cobras, numa vitória com enorme simbolismo – e quer evitar prejuízos. Daí que ver a NATO apontar o dedo aos “problemas sistémicos colocados à segurança Euro-Atlântica pela República Popular da China” não caia bem.
“Quem é que está a desafiar a segurança global e a minar a paz mundial? Há alguma guerra ou conflito ao longo dos anos em que a NATO não esteja envolvida?”, questionou a delegação diplomática da China em Bruxelas, num comunicado. Denunciando o novo conceito estratégico, apresentado nesta cimeira, como “cheio de pensamento da Guerra Fria e viés ideológico, atacando maliciosamente e difamando a China”, prometendo uma “resposta firme e forte”.
Ainda assim, não é de estranhar que a NATO, apostada em conseguir que a Ucrânia trave a invasão russa, veja como ameaça o “aprofundamento da parceria estratégica” entre Pequim e Moscovo, descreve o novo conceito estratégico da Aliança Atlântica. Esta quarta-feira Washington colocou cinco empresas chinesas na sua lista negra de sanções, por alegadamente providenciarem apoio às forças armadas russas.
Desde o início da invasão da Ucrânia que a NATO procura cortar o acesso da indústria militar russa a componentes de alta tecnologia. Um dos impactos têm sido a dificuldade do Kremlin se reabastecer de mísseis e munições guiadas, estimando-se que o seu stock esteja em baixo após os extensos bombardeamentos da Ucrânia nos primeiros momentos da invasão. Forçando os russos a recorrer a munições menos precisas, à moda antiga, que não estariam muito desenquadradas na II Guerra Mundial. O que, por um lado, diminuí bastante a eficácia de combate das suas forças, mas por outro lado também aumenta o impacto dos seus bombardeamentos no que toca a danos colaterais.
As cinco empresas chinesas sancionadas – a Connec Electronic, King Pai Technology, Sinno Electronics, Winninc Electronic e World Jetta (HK) Logistics – são suspeitas de ajudar a furar este bloqueio. Mas não de necessariamente o fazer com apoio direto do regime chinês. “Não vimos a China providenciar a Rússia com equipamento militar ou uma sistemática evasão das sanções”, garantiu uma fonte na Casa Branca ao Financial Times.
A questão é que se trata de uma aliança entre dois países que sempre tiveram uma relação complexa. Oscilando entre uma vizinhança amistosa, partilhando fronteiras na vastidão da Sibéria, e alguma rivalidade.
Durante os Jogos Olímpicos de Inverno deste ano, em Pequim, dias antes da invasão da Ucrânia, Xi Jinping e Vladimir Putin chegaram a anunciar uma parceria “sem limites”. Mostrando uma proximidade como não se via desde o cisma sino-soviético, com o choque entre Mao Tsé-Tung e Nikita Khrushchev, na década de 1950 e 1960. No entanto, agora esse período de lua-de-mel parece estar a terminar.
Pequim tem feito promessas calorosas a Moscovo, garantindo apoio à sua “segurança e soberania”, descrevendo esta relação como estando no seu “ponto mais alto”, quando Putin ligou a dar os parabéns a Xi pelo seu 69.º aniversário, há duas semanas. Pouco antes, bombardeiros estratégicos russos e chineses, com capacidade nuclear, voaram juntos sobre o mar do Japão. Mas, na prática, a ajuda de Xi a Putin tem sido menos concreta do que se pensava, indica um estudo do Peterson Institute for International Economics. É que a China teme que o Ocidente retalie impedindo-lhe também acesso a componentes como semicondutores, cruciais para produção tecnológica moderna.
Desde o início da invasão da Ucrânia, as exportações da China para a Rússia também caíram a pique, verificou o Peterson Institute for International Economics. Isto numa altura em que a indústria russa desespera à procura de fornecedores, causando uma lenta degradação da sua economia.
“Depois da União Europeia, a China é o segundo maior contribuidor para o declínio das importações da Rússia desde a invasão, apesar das promessas do Presidente Xi Jinping”, descreveu um dos autores deste estudo, Martin Chorzempa, citado pelo Washington Post.
Ou seja, a China limitou-se a fazer concessões simbólicas a Putin ou a aproveitar os saldos da energia russa, comprando cada vez mais, à semelhança de outros países asiáticos como a Índia. Mas “apesar da Rússia ter todo este dinheiro do petróleo e gás a entrar, não consegue comprar muito, mesmo de países que não impuseram sanções”, notou Chorzempa.