Alphonse Joseph Alexis Baugé foi ciclista. E, já agora, um corredor muito razoável que venceu, por exemplo, o Championnat de France Amateur disputado em Paris, em 1896. Nasceu no dia 2 de agosto de 1873, em Tours (até parece que foi de propósito!). Quando a primeira Volta a França foi para as estradas do Hexágono, já Alphonse pusera um fim à vida de esforçado utilizador da roda pedaleira para se transformar num jornalista de prestígio, redator da revista Le Vélo. Em 1900, o Le Vélo ficou famoso pelas suas posições políticas, sobretudo quando surgiu o malfadado Caso-Dreyfus. Ganhou, por isso, um concorrente de peso, que prometia abordar o ciclismo e o desporto em geral de forma completamente apolítica: o l’Auto-Vélo, dirigido por Henri Desgrange, o homem que idealizou a Volta a França. O Vélo era impresso em papel esverdeado; o Auto-Vélo era impresso em papel amarelado. Um pormenor que tem toda a importância para o episódio que aqui trago hoje.
Alphonse Baugé tornara-se jornalista mas não recusava o chamado das duas rodas. Em 1912 e 1914 viveu os Tours como diretor-técnico da equipa patrocinada pela Peugeot; em 1909 foi o treinador particular do corredor François Faber, que talvez não por acaso foi o vencedor da prova. Em 1921 era outra vez diretor, desta vez da equipa La Sportive.
Com o tempo ganhou uma alcunha: Le Maréchal.
Até 1919, a discussão mantivera-se em aberto. Sobretudo por parte dos jornalistas que cobriam o Tour. Reclamavam contra a pouca distinção que o líder da classificação tinha de todos os outros adversários, ainda por cima quando era, a cada etapa, o homem a abater. Até aí, o comandante da prova usava apenas uma braçadeira verde que desaparecia por completo no meio daquele caleidoscópio de camisolas e calções de mil cores dentro do qual vivia o pelotão. Desgranges nunca prestara grande atenção ao assunto mas, naquela noite de 18 de julho, sentado à mesma mesa do que Alphonse, decidiu, finalmente, prestar atenção às sugestões do amigo. Estavam em Grenoble, no sudoeste de França. A décima etapa da Volta a França desse ano acabara de ser cumprida. Todos os ciclistas tinham recolhido aos seus locais de repouso.
O primeiro! Antes do início da etapa do dia 19, que ligou Grenoble a Genebra, na Suíça, Élie Eugène Christophe, que acabaria conhecido pelo Velho Gaulês, por causa dos grandes bigodes que deixou crescer, um parisiense de apenas 24 anos na altura, foi chamado ao Café de l’Ascenseur , situado no cruzamento do boulevard Gambetta com a rua Béranger, um albergue onde Desgranges e outros diretores da Volta a França tinham pernoitado. Foi-lhe entregue uma camisola amarela que serviria para o distinguir de todos os outros quando pedalasse misturado com o pelotão.
Henri tinha um gosto especial pelo amarelo. Porque era a cor das páginas do jornal do qual era diretor e nas quais surgiram os argumentos que levaram à organização da Volta à França, mas também porque lhe faziam lembrar as camisolas das equipas pelas quais correra, a Alcyon e a Peugeot.
Como sempre, momentos como este acabam por ter diversas interpretações e surge sempre alguém a contrariar a história tida como autêntica. Neste caso o indivíduo em causa dá pelo nome de Philippe Thys, belga de nascimento, antigo corredor que veio, posteriormente, afirmar convictamente que, em 1914, tinha usado a mesmíssima camisola amarela, entregue por Desgranges enquanto comandava essa edição do Tour. Não lhe ligaram importância por aí além mas, ao mesmo tempo, também não houve ninguém com descaramento suficiente para o desmentir. Afinal, Thys era um tipo de uma honestidade total.