Eis um nome que para a grande maioria dos leitores não dirá coisíssima nenhuma: Custódio dos Reis. Nasceu no dia 30 de novembro de 1922, em Rabat, à época Marrocos Francês ou, mais oficialmente, Protectorat Français au Maroc. Um fenómeno político que durou entre 1912 e 1956 e que, pelo Tratado de Fez de 1912, fez com que o território de Marrocos, por vontade do sultão Moulay Hafid, se juntasse aos territórios franceses do norte de África, a Argélia Francesa e o Protetorado Francês da Tunísia. É verdade que, ao mesmo tempo, se consolidava um Marrocos Espanhol, ou um Protectorado Espanhol de Marrocos, mas este mais a sul, para lá de Ifni, grande parte dele fazendo, depois, parte do território amaldiçoado dos sarauis, o Sahara Ocidental. Rabat era uma cidade afrancesada e que, como tal, gostava de ciclismo e se entusiasmava com a Volta à França. E com a entretanto criada Volta a Marrocos.
Os pais de Custódio eram algarvios e foram viver para Rabat antes de ele ter nascido, como é evidente. Daí sempre uma larga discussão sobre a portugalidade do ciclista que fez parte da equipa do Sporting em 1946 e 1947. Terá sido batizado e registado como português no consulado local mas, entre o material que pode ser consultado, terá optado pela nacionalidade francesa a partir de 1931. Ele ou alguém por ele já que contava apenas nove anos. Seja como for, em todas as provas que disputou na sua carreira de ciclista aparece como sendo francês, com a curiosidade de nalgumas competições que tiveram lugar em França o deem como… marroquino.
Em 1946, venceu quatro etapas da Volta a Portugal (a 2ª, a 3ª, a 12ª e 15º) atingindo a classificação final em oitavo numa prova que teve como vencedor José Martins e tendo vestido a camisola amarela durante duas etapas. Com Fernando Moreira disputou rijamente os traçados que passaram por Angeja, Albergaria-a-Velha e Águeda, tendo vencido por uma espinha no sprint final de Sangalhos. Curiosamente, e veja-se como são as coisas, a equipa nacional de Marrocos inscreveu-se nessa Volta e dois marroquinos ficaram à frente do “nosso” marroquino, Driss Ben Abdesselem (4.º) e Othman Djilalhi (6.º). Em 1947, apesar de ter conseguido melhor em termos de resultado definitivo, terminando em 5.º (José Martins ganhou outra vez), só venceu duas etapas, a 13.ª e 14.ª, entre Braga e a Póvoa de Varzim e entre a Póvoa de Varzim e Sangalhos, respetivamente. Definitivamente, Sangalhos era uma terra onde Custódio se dava bem.
O Tour! Eis-nos, agora, em 13 de julho de 1950. Tem início a 37.ª edição da Volta a França e Custódio Reis apresenta-se à partida. Fausto Coppi, o grande corredor italiano, vencedor no ano anterior, está lesionado e falha a defesa do título. Mas há outro italiano, o seu enorme rival, segundo classificado no Tour que Coppi ganhou, que se apresta a tomar o lugar de favorito: chama-se Gino Bartali. Seria um suíço, Ferdinand Kübler, a destruir as suas ambições, terminando a prova dono da camisola amarela.
Em Paris, Orson Welles, escritor, ator, diretor de cinema deu o sinal de partida. 307 quilómetros depois, em Metz, dar-se-ia por acabada a etapa inicial. Custódio consegue um razoável 11.º lugar. O seu clube é o Ruche-Dunlop, mas ele percorre as estradas de França com a camisola da Seleção do Norte de África. Sente muitas dificuldades: na terceira etapa, entre Liége e Lille não vai além do 80.º lugar. Os ventos não lhe sopram de feição.
Nos registos estatísticos da Volta a França, Custódio dos Reis é dado como francês nesse Tour de 1950. No dia 28 de julho tem aquele que foi, provavelmente, o grande momento da sua carreira, na conclusão dos 222 quilómetros que separam Nîmes de Toulon. Disputou-se a 14.ª etapa, o terreno é plano, não envolve esforços que vão para além das suas capacidades. Cumpriu o percurso num total de 6h49m54s e cruza a meta com o seu companheiro de equipa, Marcel Zélasco, na sua peugada. Marcel está também inscrito como tendo nacionalidade francesa. A diferença entre os dois homens que representam os países do norte de África é de menos de um segundo e, no fim, é-lhes atribuido o mesmo tempo. Uma vitória suada, ao sprint, a única de Custódio dos Reis numa etapa do Tour. O terceiro seria Robert Castelin, com mais 14m01s. Custódio viria a ser, em Paris, no final da corrida, o 26.º da classificação final. Tinha um nome português, mas a nacionalidade não.