Delegações ucranianas e russas reuniram em Istambul, na quarta-feira, procurando um acordo que permita reabrir o Mar Negro, que está sob controlo da marinha do Kremlin. Um acordo de paz parece muito distante, dado ambos os lados recusarem ceder território, mas, por agora, a ideia é impedir uma crise alimentar mundial, devido ao bloqueio russo ao comércio de cereais ucranianos, estando as negociações a decorrer sob os auspícios do regime turco, sendo observadas pelas Nações Unidas.
“Espero que consigamos alguns resultados, alguns resultados práticos, muito em breve”, explicou Oleksandr Kubrakov, o ministro das Infraestruturas ucraniano, à BBC, mostrando-se confiante quanto à criação de um chamado “corredor verde”. Permitindo o comércio de cereais a partir de Odessa, que é o principal porto da Ucrânia e uma das poucas partes do sul que não foi tomada pelos invasores.
No entanto, não se trata de algo fácil. Primeiro, porque o próprio mediador destas negociações, o regime de Recep Tayyip Erdogan, ainda a semana passada foi acusado por Kiev de permitir que um navio russo carregado de cereais roubados à Ucrânia, o Zhibek Zholy, zarpasse de um porto turco. Afinal, a Turquia – que, por um lado, comprou baterias de mísseis S-400 à Rússia, por outro vendeu os seus drones Bayraktar TB2 aos ucranianos, que têm sido instrumentais para travar a invasão russa – já fora apontada como um dos compradores do grão ucraniano que o Kremlin tenta apressadamente vender. A preço de desconto, claro.
Outro problema são os receios do Governo de Kiev, que tem que a marinha russa se aproveitasse de eventual um acordo. De maneira a se aproximar de Odessa e lançar de surpresa um assalto naval contra a cidade.
Seria muito improvável – talvez até impossível, consideram muitos analistas – que uma manobra do género tivesse sucesso. Mas importa não esquecer que, se a prestação do exército e da força aérea russa tem ficado muito aquém das expectativas, boa parte dos sucessos militares do Kremlin até agora têm sido conseguidos em operações da marinha, no sul. Ainda que esta já tenha tido vários navios afundados por mísseis disparados pelos ucranianos.
Aliás, para que um “corredor verde” fosse possível, isso implicaria que ambos os lados limpassem as minas que colocaram, pelo menos, numa faixa do Mar Negro. “Creio que isso demoraria semanas, não meses”, considerou Kubrakov.
Colapso económico Entre os agricultores ucranianos, a ansiedade está em alta com o início da época das colheitas, esta semana. Tendo o Governo de Kiev repetido durante meses avisos que, se não conseguissem escoar a colheita anterior, poderia nem sequer haver capacidade para armazenar a próxima.
Estima-se que cerca de 22 toneladas de cereais da última colheita não tenham chegado ao seu destino. “O preço que estamos a conseguir pelos nossos cereais não é bom”, lamentou Yurii Vakulenkv, o dono da empresa agrícola Ukrayina, citado pela Euronews. “Instalações de armazenamento recusam-se a recebê-lo. Agricultores tiveram de o abandonar”, explicou. “E a linha da frente não é longe daqui. Daqui a pouco, tudo isto pode ser destruído por bombardeamentos”.
Já o Governo de Ucrânia precisa desesperadamente das receitas que a produção agrícola costumava gerar. Aliados têm avisado que as suas finanças públicas estão à beira de colapsar, tendo o Tesouro dos EUA apelado a que se disponibilize empréstimos com juros baixos a Kiev.
Os ministros das Finanças da União Europeia lá acordaram mais um empréstimo de emergência à Ucrânia, esta terça-feira, mas ficaram-se por uns meros mil milhões de euros. Bem aquém da proposta inicial da Comissão Europeia, que estava na ordem dos nove mil milhões de euros.