O verdadeiro inferno

Não há forma possível de imaginar a angústia de quem abre a porta de casa só para tentar salvar-se a si, aos vizinhos ou aos animais. Isto se as chamas derem licença e o tempo necessário para dali se sair só com as roupas que se têm no corpo.

Mais uma vez chegados a esta altura do ano percebemos como no resto dos dias fazemos uso da palavra ‘inferno’ em vão. Basta ligar a televisão para deixarmos de ter pretexto para nos queixarmos do calor que não nos deixa dormir, da ventoinha esgotada, do bafo irrespirável ou do facto de parecer que precisamos de outro banho apesar de termos fechado a torneira do chuveiro há menos de um quarto de hora. Nos vários canais o cenário a que assistimos é o mesmo, muda apenas a localidade, anunciada num dos cantos do ecrã.

Não há forma possível de imaginar a angústia de quem abre a porta de casa só para tentar salvar-se a si, aos vizinhos ou aos animais. Isto se as chamas derem licença e o tempo necessário para dali se sair só com as roupas que se têm no corpo.

Este, sim, é o verdadeiro inferno, capaz de tirar e destruir vidas enquanto o diabo esfrega um olho.

Tanto choramingamos nas manhãs em que o mau tempo se faz sentir logo pelos buraquinhos dos estores da janela, algo tão insignificante quando comparado com o ‘tempo de incêndio’, com o céu pintado no mais feio tom dos cinzentos disponível em qualquer paleta de cores. 

O cheiro, o fumo, o som dos aviões, as sirenes, os bombeiros numa missão sempre inglória, os que se recusam a sair do local e tentam fazer a diferença como podem. 

A enorme gratidão pelo esforço e sacrifícios dos bombeiros é demonstrada em cada pequeno gesto que chega ao quartel.

A mesma pergunta todos os anos: como é possível voltar o filme a repetir-se?

Um calor infernal para alguns, o verdadeiro inferno de outros.

Dois problemas reais que vêm provar que as medidas adotadas e os ínumeros debates promovidos não se têm revelado minimamente eficaz.

Apesar dos vários defeitos que apresenta na defesa da sua causa, lá nisso a jovem Greta tinha razão: chega de blá, blá, blá…