A arte de muito se falar (empalear) e pouco se fazer

 Vejo as imagens de um país parcialmente em chamas na televisão e fico horripilado! Imagino (ou não imagino…) o sofrimento das populações afetadas pelas chamas, ouço estórias de pessoas amigas com os filhos a filmar o incêndio a escassas centenas de metros da casa onde se encontram e os pais aflitos a disparar para os…

1. Vejo as imagens de um país parcialmente em chamas na televisão e fico horripilado! Imagino (ou não imagino…) o sofrimento das populações afetadas pelas chamas, ouço estórias de pessoas amigas com os filhos a filmar o incêndio a escassas centenas de metros da casa onde se encontram e os pais aflitos a disparar para os ir buscar a casa dos avós onde estavam a passar férias… 

Relembro os fogos de 2017, particularmente Pedrógão em 17 de junho (64 mortes, 200 feridos e 500 mil hectares ardidos) e os ocorridos na região Centro em 15 de outubro (cerca de 50 mortos em diversos concelhos, muitos asfixiados pelo fumo em casa…) e pergunto: que se fez desde então? De certeza que muito pouco, porque António Costa refere, literalmente ‘a quente’, entre apelos lancinantes aos cuidados a ter pelas populações, que «grande parte do território é uma grande mancha florestal e grande parte, infelizmente, está abandonada. É necessário identificar quem são os proprietários dos terrenos». Tanta expressão de ‘grandeza’ numa simples frase, bem reveladora da incompetência, desleixo ou incúria que grassa há muito.

Passaram 5 anos desde 2017 e a ‘cantilena’ não muda. Em 20 de agosto de 2021, ao jornal Inevitável Jaime Marta Soares prestes a terminar o seu mandato de presidente na Liga de Bombeiros afirmou perentoriamente que «em termos de planeamento e ordenamento do mosaico florestal, da lotação de espécies, nada muda». Acrescentou ainda que «se deve alterar profundamente a paisagem florestal, no sentido de fazer infraestruturas de linhas de corta-fogo, de levar a cabo uma definição estratégica de compartimentação da floresta e de uma revisão profunda e de implementação no terreno – em termos de legislação nada falta – para orientar num sentido completamente diferente o território florestal português».

Ainda continuou por aí fora, numa entrevista de autêntico desabafo na hora de saída, de impotência crescente porque em Portugal muito se fala, diagnósticos são para todos os gostos, mas fazer, atuar, prevenir, alterar? Nada. O envelhecimento das populações, a necessidade de limpar terrenos versus o custo dessa limpeza, com todos a ‘fechar olhos’, tem estas consequências absolutamente nefastas e desesperantes.

Até o novo Presidente da Liga, no cargo desde 30 de outubro de 2021, António Nunes (ex-ASAE), não demorou a repetir o que tantos têm dito: «A falta de planeamento e a própria composição das florestas é um obstáculo para os operacionais no terreno», em complemento a uma afirmação polémica que encerra uma crítica à gestão anterior, a todos os níveis, referindo que «o grande problema do combate aos incêndios não é a falta, mas a dispersão de meios quando há muitas ocorrências».

Tudo dito, fazer é que é o pior. Ninguém faz ou muito pouco se fez. O país está a arder, as populações vêm os seus bens em risco quando não destruídos, a incúria durante anos é generalizada, mas como de costume, em Portugal, ninguém tem responsabilidades, nem os ministros da Agricultura, nem as secretarias de Estado das Florestas, ou o ICNF. No fundo, como bem disse Marta Soares: «O Estado fez ouvidos moucos, durante muitos anos, face ao que os cientistas diziam sobre o aquecimento global do planeta, às baixas taxas de humidade, aos ventos atípicos, à nossa localização na influência do Mediterrâneo que nos tornou num país de crescimento muito rápido em termos de floresta».

Os municípios e as freguesias são a expressão da capilaridade administrativa do Estado. Os eleitos para os diversos cargos são (quase) sempre gente local que conhece, como poucos, todos os terrenos e as respetivas fragilidades ou irregularidades. Poderiam (deveriam) ser os fautores das correções necessárias, atuando, em conjunto com os bombeiros, para a prevenção dos incêndios. Quando ouvimos o primeiro-ministro meter o ‘dedo na ferida’ da forma desabrida como o disse, ficamos com a certeza de que tanto poderia ser feito a nível local e só nos ocorre perguntar: o que impede esta ideia de funcionar?

Como dizem os ingleses ‘you get what you plant’, pelo que literalmente não nos podemos surpreender das consequências funestas de tantos fazerem tão pouco durante tanto tempo. Resta-nos agradecer aos bombeiros a sua dedicação e abnegação.

 

2. Reportagem no Público de 12 de julho refere que, em Portugal e de acordo com estudos do Conselho Económico e Social, o número de órgãos consultivos do Estado cresceu 79% desde 1996. Ao tempo, referia-se existirem 228, muitos sem atividade. Segundo Francisco Assis (hoje presidente do CES) hoje serão uns 408 e, mesmo assim, não garante que não haja mais alguns por recensear…!

Indo ao detalhe, lemos que existe uma Comissão Setorial da Banana, um Conselho Nacional da Juventude e logo um outro o Conselho Consultivo da Juventude, certamente ambos de utilidade complementar, entre tantos exemplos citados no artigo. Porque será que a sensação que colhemos da leitura deste trabalho meritório do CES é a de que ninguém se preocupa em ver quanto custa tanto Conselho ao erário público. Alô Fernando Medina?

 

3. Isabel Ayuso foi esta semana convidada pela Câmara de Comércio Luso-Espanhola para um almoço, a que tive o privilégio de assistir. Descomplexada, pragmática e profundamente convicta na defesa das suas ideias conservadoras/liberais, ‘explicou’ porque conseguiu 44,7% na votação para o Ayuntamiento de Madrid. Não teve pruridos a criticar políticas fiscais agressivas e defender a baixa de impostos, bem como a economia privada como efetivo motor da Economia, em fazer uma defesa intransigente de políticas sociais, sobretudo na Saúde. Em suma, uma Mulher que, estou convicto, irá revolucionar a política em Espanha.