Pedro Abrunhosa. Quando uma opinião cria uma polémica diplomática

No início do mês, num concerto em Águeda, Pedro Abrunhosa insurgiu-se contra Vladimir Putin, solicitando o público a repetir a frase “Vladimir Putin, go f*** yourself”. Depois disso, em comunicado, a Embaixada Russa em Portugal mostrou o seu descontentamento. Agora, em conjunto com alguns partidos políticos o artista pede proteção, alegando ter sido ameaçado. 

Autor de algumas das músicas mais conhecidas e românticas do país, de que são exemplo ‘Tudo o que eu te dou’, ‘Se eu Fosse um Dia o Teu Olhar’ ou ‘Eu Não Sei Quem Te Perdeu’, Pedro Abrunhosa – atualmente com 61 anos – nunca abdicou de ter uma voz ativa nos mais variados temas sociais, culturais e políticos. No verão de 1994, que ficou marcado pelo buzinão contra o aumento das portagens na ponte 25 de Abril, a canção ‘Não Posso Mais’ tornou-se um símbolo da contestação ao cavaquismo. Oito anos depois, em 2002, ao Independente, o artista afirmava, sem receio de ferir susceptibilidades: “Portugal é um país de incultos e parolos, mas todos com telemóvel. É um país de gente burra, mas com legitimidade, porque é um país sem justiça, educação, saúde ou segurança social. Portanto, não podemos culpar as pessoas pela ineficácia do sistema”.

Mais recentemente, criticou o líder do Chega, André Ventura, dizendo que o seu populismo era “um rastilho que se acende rapidamente num país como o nosso”, um “vírus” que pode encontrar alvos em todos os campos políticos, da direita à esquerda. Já em agosto do ano passado, o músico português estabeleceu um paralelo entre os negacionistas anti-vacinas portugueses da covid-19 e os talibãs, que assumiram o controlo do Afeganistão.

 

O Insulto a Putin

7Pedro Abrunhosa não hesitou, desde o início a 24 de fevereiro, em manifestar-se contra a invasão russa da Ucrânia, tendo chegado a escrever uma canção de homenagem à resistência e coragem dos cidadãos ucranianos, intituladaQue o amor te salve desta noite escura’. Mas mais recentemente a sua posição ganhou outro eco. Num concerto em Águeda, no início do mês, o cantor portuense atirou: “Vladimir Putin, go f*ck yourself”, em português, “Putin, vai-te f**d*r” e as declarações valeram-lhe fortes críticas e ameaças da Embaixada da Rússia em Portugal.

Antes de começar a cantar o tema intitulado ‘Talvez F*d*r’ – no qual aborda questões como a guerra, a fome e o fascismo – Abrunhosa falou sobre a guerra. “Não podemos, nem vamos esquecer, que a Europa vive uma guerra. E a guerra mais estúpida de todas, uma guerra perfeitamente evitável, uma guerra de ódios, uma guerra em que famílias como as nossas todos os dias têm que fugir”, afirmou. O compositor lembrou também que “há quem não fuja, e numa ilha da Ucrânia um marinheiro respondeu a um apelo de um barco russo dizendo: ‘Barco russo, go f*ck yourself’, que é como quem diz ‘russian boat…’, que é como quem diz ‘Vladimir Putin, go f*ck yourself”. “Este grito hoje tem que se ouvir em Moscovo e em Kiev!”, apelou.

O que o músico provavelmente não suspeitava é que essas declarações iriam estar na origem de um incidente diplomático entre Portugal e a Rússia. A embaixada russa em Lisboa, em comunicado, avisou que a voz de Pedro Abrunhosa “se ouviu nos corredores do poder russo” e que as autoridades daquele país “ficarão atentas às suas atividades”.

 

A “ameaça”

A Embaixada da Federação Russa em Lisboa publicou na quarta-feira passada, no seu site oficial, um comentário motivado pelas “declarações inaceitáveis do cantor Pedro Abrunhosa”. A representação russa dava conta de que “tem recebido cartas dos compatriotas russos zangados que afirmam estar chocados pelo comportamento dum dos famosos cantores portugueses”.

“Durante o concerto no festival AgitÁgueda 2022 ele permitiu-se a dizer várias coisas grosseiras e inaceitáveis sobre os cidadãos da Federação da Rússia, bem como os seus mais altos dirigentes. Além disso, Pedro Abrunhosa incentivava em êxtase os espetadores, entre os quais os russos que também pagaram os bilhetes, que repetissem o que estava a gritar, tendo no final expressado o desejo que as palavras dele fossem ouvidas em Moscovo”, relata a embaixada. O comunicado faz ainda saber que as palavras do músico português, “indignas do homem de cultura que ainda por cima representa o país, que se está a manifestar abertamente contra qualquer tipo de ódio e discriminação, foram ouvidas” e que “as respetivas conclusões serão tiradas”. “A Embaixada da Rússia continua a vigiar os interesses dos cidadãos russos residentes em Portugal, e nenhumas provocações ignóbeis contra eles ficarão sem resposta”, remata. Muitos tomaram estas palavras como uma ameaça.

 

O apoio ao músico

O Ministério dos Negócios Estrangeiros foi um dos primeiros a reagir, repudiando o “tom e conteúdo” do comunicado e defendendo a liberdade de expressão como “inalienável”. “Foi transmitida à embaixada da Federação Russa, através dos canais diplomáticos, o repúdio pelo tom e conteúdo do comunicado da embaixada relativo ao concerto do músico Pedro Abrunhosa”, adiantou à Lusa fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tal como o organismo, o próprio artista considerou as declarações da embaixada, uma “tentativa de censura perante a comunidade artística”.

Em entrevista à TVI, Pedro Abrunhosa garantiu que, na situação, não houve “qualquer ofensa pessoal”. “Essa palavra de ordem tornou-se naturalmente a palavra da resistência de toda uma oposição a esta guerra. Não há aqui qualquer ofensa pessoal”, disse, referindo-se à expressão “go f*ck yourself”. “O que é incrível é que se tente reverter esta palavra, honorando uma culpa de ofensa e esquecendo as bombas que caem diariamente em cima de casas civis”, acrescentou, referindo-se à sua voz como “a voz dos portugueses”.

“O silêncio é cúmplice. A minha voz é a voz dos portugueses. Este comunicado é, em todos os títulos, absolutamente abjeto. Esperava que a Embaixada se preocupasse com os civis que estão a morrer”, acusou. E foi ainda mais longe: “Estamos a discutir que um cidadão português não possa exprimir a sua palavra, a sua vontade, num país democrático, em cima de um palco, perante uma audiência e sem ser ameaçado. Existe aqui o exercício de uma tentativa de censura perante a comunidade artística, da qual sou representante, e os cidadãos portugueses”.

Depois de tomar conhecimento da resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o artista considerou que o organismo “deveria de expulsar a pessoa que redigiu esse comunicado”. “Entendo que não o possa fazer porque haveria uma retaliação. Temos que ser assertivos e não nos podemos acobardar perante o ‘bullying’ dos tiranos”, defende.

Na segunda-feira, em declarações à CNN Portugal, o artista anunciou que espera que o Parlamento o defenda e que, nesta semana conturbada, recebeu apoio “pessoal e institucional” do primeiro-ministro, António Costa. “Para nós que vivemos em democracia isto é muito inesperado. A reação da embaixada da Rússia é um claro exagero, é um delírio de quem vive numa bolha ditatorial e está habituado a dizer o que quer sem ter consequências. Mas isto é muito grave”, considerou. Na sua opinião, quando uma embaixada ousa emitir um comunicado neste tom, “a fazer ameaças a um cidadão do país onde está, era importante que a sociedade civil tomasse consciência disso”. Por isso, elogia a proposta da Iniciativa Liberal que o parlamento manifeste um “protesto veemente” contra o comunicado considerando que se tratou de “um atentado inaceitável à liberdade de expressão”. Além da IL, o PAN também secundou a posição do artista. A líder do partido, Inês Sousa-Real, considerou “lamentável” a reação da Embaixada: “Não podemos aceitar que a liberdade de expressão seja condicionada, ainda para mais num contexto de manifestação contra a guerra e um regime opressor, no caso de Vladimir Putin”, escreveu a dirigente do partido ecologista no Twitter. Na mesma publicação, Inês Sousa Real considerou que o “comunicado da Embaixada Russa em reação às palavras de Pedro Abrunhosa não faz qualquer sentido e é lamentável”. Sobre o apoio do Governo, o compositor disse não estar “descontente”. Mas acha que poderia ter ido mais longe: “Se estivéssemos num país onde a cultura é levada mais a sério, talvez a reação tivesse sido mais dura”. Defende que o embaixador da Rússia deveria ter sido chamado para dar explicações, ou ao ministro dos Negócios Estrangeiros ou ao primeiro-ministro: “Já para não falar da expulsão do adido que teve a ousadia de emitir o comunicado naquele tom”, reforçou, frisando que “isto não é um assunto pessoal, é um assunto nacional”.

 

Contra ou a favor?

Ksenia Ashrafullina, uma ativista russa que vive em Portugal, disse que as palavras de Abrunhosa contra Putin até foram “fofinhas” e confessou-se “orgulhosa” pelo facto de o músico se ter insurgido contra a guerra. José Cid afinou pelo mesmo diapasão, partilhando na sexta-feira um vídeo intitulado “Je suis Pedro Abrunhosa”, a demonstrar o apoio ao colega de profissão: “Aqui fica a minha solidariedade com a atitude do Pedro Abrunhosa. Tem todo o direito, com objetor de consciência que é, de acusar em palco o governo russo por aquilo que está a acontecer na Ucrânia”.

Porém, há também quem faça questão de se distanciar da posição do artista. Foi o caso da atriz São José Lapa, que no sábado utilizou as redes sociais para criticar a postura: “A minha voz não é a tua voz, Pedro Abrunhosa. Aliás, tu nunca tiveste voz”, escreveu no Facebook. “Quanto ao resto, bem podes dizer vitupérios nos teus concertos. Estou-me nas tintas se até as Pussy Riot já se tornaram pornográficas”, acrescentou.

A artista referia-se ao grupo feminista russo de protesto e artes performativas conhecido por se posicionar contra Putin – e sofreu as consequências disso. A banda encontra-se, neste momento, num tour pela Europa para arrecadar fundos para a Ucrânia. Os espetáculos no Porto e em Lisboa, que decorreram no mês passado, contaram a história das Pussy Riot desde a primeira ação em 2012 até 2020. “É um manifesto. Não é um documentário. É o nosso apelo para eleições. Um apelo internacional. É uma combinação de diferentes histórias, instrumentos, vídeos, coisas inesperadas. Tudo isto com um único objetivo. Acreditamos que cada pessoa é muito importante. Cada ação é importante para mudar o mundo. Em 2012, não esperávamos nenhuma atenção internacional ou conferências de imprensa. Era uma ação pequena. Mas as grandes coisas começam sempre por ser pequenas, por isso queremos que as pessoas se manifestem e protestem”, declarou Alekhina – que foi detida seis vezes desde o verão passado, tendo agora abandonado a Rússia, sob disfarce, em abril -, numa conferência de imprensa na manhã de 6 de junho, na Casa da Música, no Porto. “Queremos que as pessoas percebam que existe uma estreita ligação entre o que está a acontecer no interior da Rússia e o que está a acontecer atualmente na Ucrânia. Parece muito simples, mas infelizmente ainda não está claro para todos e nós queremos que fique bem claro”, acrescentou.

O_coletivo de inspiração punk nasceu em 2011 e tornou-se mundialmente conhecido logo um ano depois, quando três dos seus membros foram detidos na sequência de uma atuação contra o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, numa igreja de Moscovo. Nessa altura, foram acusadas e condenadas a dois anos de cadeia por “vandalismo motivado por ódio religioso”. Duas das artistas foram, desde então, classificadas “agentes estrangeiros” pelo Estado russo.

 

“Gangster”, “mentiroso”, “assassino”, “carniceiro”

Se tenciona perseguir todos os artistas que insultam publicamente o líder russo, o Kremlin tem muito trabalho pela frente. Além das Pussy Riot, são muitos os que se têm posicionado contra Putin e a sua ofensiva. Roger Waters, por exemplo, ex-Pink Floyd, tem condenado ferozmente a invasão da Ucrânia, com partilhas nas redes sociais e cartas abertas aos fãs ucranianos. O ex-vocalista refere-se ao Presidente da Rússia, como um “gangster”. Na sua tournée pela Europa que começou este mês,Waters fez questão de solicitar a todos aqueles que no público fossem contra as suas posições políticas, para abandonarem o espetáculo.

Também Axl Rose, vocalista do Guns N’ Roses, numa publicação em forma de agradecimento pela digressão europeia que terminou este mês (e teve direito a passagem por Lisboa), se pronunciou sobre Putin. Acusado de não ter deixado clara nos concertos a sua posição acerca do conflito, Axl não teve papas na língua: chamou ao Presidente russo “mentiroso” e um “assassino”, com ambições “ultrapassadas e nenhuma consideração pela vida humana”. Palavras não muito diferentes das usadas por Joe Biden. Numa entrevista concedida logo no início do seu mandato, em março de 2021, o Presidente norte-americano chamou a Putin “assassino” (usando a palavra “killer”). Já este ano, face à invasão da Ucrânia, Biden endureceu o discurso, apelidando o seu homólogo de “carniceiro” e “criminoso de guerra”.