James Lovelock (1919-2022). A Gaia Ciência

Investigador britânico, pai da Hipótese de Gaia, morreu aos 103 anos. Para surpresa de muitos, fez a apologia da energia nuclear, que considerava a última hipótese para deter o aquecimento global.

Nasceu menos de um ano depois do armistício pôr fim à Grande Guerra e tinha 20 anos quando a Alemanha nazi invadiu a Polónia, em 1939. Objetor de consciência, não participou no conflito. Já depois de terminada a guerra, em 1948, concluiu o seu doutoramento em Medicina. James Lovelock, investigador britânico, apóstolo do combate às alterações climáticas e ‘pai’ da Hipótese de Gaia, morreu esta terça-feira, 26 de julho.

Cresceu no Sul de Londres, onde os seus pais, recorda o Guardian, tinham uma loja de molduras. Foi a descoberta da biblioteca pública que desencadeou o fascínio pela ciência.

Desde jovem tinha uma veia de inventor, que mais tarde lhe foi muito útil na criação de vários instrumentos usados pela NASA, nomeadamente o detetor de captura de eletrões.

“No início da sua carreira”, escreve o jornal britânico, “Lovelock desenvolveu técnicas para congelar e depois reanimar o tecido celular e até mesmo animais inteiros, como hamsters. Apenas por diversão, em 1954, usou radiação de micro-ondas de um magnetron de onda contínua para cozinhar uma batata”. Terá sido pois, mesmo que involuntariamente, o pioneiro do microondas.

Porém, o que tornou Lovelock famoso foi a Hipótese de Gaia, de início descartada pela comunidade científica como algo fantasiosa, mas que aos poucos e poucos foi ganhando seguidores, inclusive entre os seus pares, e acabou por valer-lhe importantes prémios.

Segundo a sua tese, que formulou na década de 1960 e foi aperfeiçoando em parceria com o biólogo americano Lynn Margullis na década seguinte, os organismos vivos adaptam-se e modificam o ambiente onde vivem, de maneira a criar condições favoráveis à sua proliferação. Lovelock e Margullis viam a biosfera do planeta como um sistema que se autorregula. A teoria foi batizada pelo seu amigo William Golding, o romancista que venceu o Nobel da Literatura com O Deus das Moscas.

 

Cientista e Amigo do ambiente

Sensivelmente a partir da entrada em cena do século XXI, Lovelock dedicou-se ao estudo das alterações climáticas. Porém, nunca se identificou com os ambientalistas – “muitos não apenas são ignorantes no que diz respeito à ciência, detestam a ciência”, dizia. Preferia colocar-se do lado da solução. “Como podemos alimentar, encontrar habitação e vestir a espécie humana sem destruir os habitats das outras espécies?”, questionava.

Isso levou-o a fazer, em 2004, a apologia da energia nuclear como alternativa aos combustíveis fósseis, apontando para as vantagens da primeira e dizendo que no futuro nos arrependeríamos amargamente de não ter adotado essa solução. Muitos ficaram surpreendidos com a sua posição.

Nesse mesmo ano em que disse que só o nuclear poderia deter o processo de aquecimento global, traçou no The Independent um cenário apocalíptico para um futuro próximo: “Biliões de seres humanos morrerão e os poucos casais férteis que restem estarão a habitar no Ártico, onde o clima ainda será tolerável”.

Mais tarde veio a reconhecer que se tinha precipitado._Continuava a dizer que o processo de aquecimento está em curso, mas talvez não ao ritmo que temia.

Lovelock continuou sempre a trabalhar, tendo ainda lançado um livro aos 99 anos.

Pai de quatro filhos de dois casamentos, despediu-se do mundo precisamente no mesmo dia em que completou 103 anos (a probabilidade de nascer e morrer no mesmo dia é de 1 em 133.225).