Era um momento esperado. No debate do estado da Nação esperava-se, depois de várias debilidades apresentadas pelo Governo, a avaliação da sua capacidade de resistência, do seu reganhar de confiança, do retomar da iniciativa.
Do mesmo passo e em contraponto, espicaçava o interesse saber como o PSD da nova liderança se iria apresentar.
As dificuldades do Governo seriam muitas.
Desde logo porque os portugueses estão a viver com mais dificuldades, perdem com a inflação, perdem com a alta do preço dos combustíveis, perdem com a incapacidade de os salários acompanharem o custo de vida.
E porque sentem que a saúde está mais longe e mais cara e os indicadores da mortalidade sobem de modo preocupante e inesperado.
E porque se dão conta que os fogos põem a nu o estado lamentável do país.
Já não é se os fogos são grandes ou não, se há meios de combate, se há SIRESP.
E porque onde pensavam haver populações capazes de combater os sinistros encontram idosos sem força, isolados eremitas do interior, gente que vive do quase nada que tem e, de um momento para o outro, perde tudo o resto.
Pode o Governo brandir a realização do cadastro dos terrenos, das miríades que existem e ninguém sabe exatamente onde e a quem pertencem.
Não pode dizer que a reforma da floresta e da sua propriedade se fez.
No fundo, o Governo tem receio de afrontar o problema, tem receio que tudo lhe caia em cima. Ele que nem a parte pública dos terrenos limpa.
Pode o Governo acenar com a criação de uma nova orgânica para a saúde.
Pode anunciar a adjudicação da construção de um novo hospital em Lisboa.
Preenche os meios de comunicação social, faz a mancha, cria uma cortina de fumo.
Não pode dizer que os cidadãos têm médico de família, têm o SNS a funcionar como deve.
Não pode impedi-los de recorrer à resposta privada e não contabiliza a perda de rendimentos que advém do aumento das suas despesas.
Pode o Governo anunciar crescimento económico, aumento do emprego no turismo, aumento da procura.
Não pode dizer que tem o problema do aeroporto resolvido para garantir a continuação da resposta, tantos anos depois.
Não pode dar a imagem da união do Governo na escolha da solução escolhida.
Faz de conta.
O que lhe resta?
Dizer que está ali para as curvas, que equaciona, negoceia, acorda, decide.
Na véspera do debate tira da cartola dois coelhos.
Um, o do acordo com a Associação de Municípios.
Outro, o do acordo com setor social.
Não fica tão claro como isso o conteúdo do decidido. Lá para setembro se verá.
Entretanto, o espetáculo fica dado.
Não pode o Governo negar que os impostos recebidos têm subido muito significativamente.
Não pode dizer que os apoios às famílias são suficientes.
Pode admitir que está a fazer o que pode.
E ataca.
E o PSD? Já se sabe que tem o líder fora do Parlamento, que tem um grupo parlamentar escolhido pela anterior direção. Não são desculpas.
No cenário de um debate como este tem de o condicionar, tem de cortar as saídas previsíveis de um primeiro-ministro com vocação parlamentar, tem de o cobrir de ridículo pela marginalidade das suas respostas e do seu silêncio.
Não pode ser bem comportado.
Tem de ser agressivo e cáustico.
Tem de afunilar o espaço das tentativas de resposta.
Tem de falar de outras coisas com exemplos concretos, de chamar o povo a si, de ser a sua voz.
Noutro tempo era fácil. Agora tem de passar a ser.