Depois do Mundial mágico de 1966, cada passagem de Eusébio por Inglaterra tornou-se numa espécie de momento de devoção do público inglês ao Pantera Negra, homem que fizera os impossíveis para se tornar um nome único no país que inventou o futebol. Sou testemunha disso, assisti a várias, algumas delas já muitos anos depois de ele ter encerrado a carreira, e posso garantir que o carinho que os adeptos britânicos dedicam ao jogador português tem algo de religioso. Mesmo agora, após a sua morte. Ou ainda mais agora…
Em Agosto de 1971, a festa foi enorme em St. James Park. O Benfica enfrentava o Newcastle (tal como acabou de o fazer na terça-feira para a Eusébio Cup) e Eusébio era, inevitavelmente, o centro das atenções. “Benfica legend Eusébio graced the St, James turf!”, berrava uma das manchetes. Eusébio abençoava o relvado se St. James. E depois concluía: “Newcastle beat Benfica in front of a crowd of 27,630 – though Eusebio was the main attraccion”. Uma derrota (0-1) injusta, segundo a imprensa portuguesa, até porque o Benfica realizara uma exibição agradável desperdiçando oportunidades de golo em série. “Logo no princípio do jogo, Eusébio entusiasmou a multidão com um dos seus temíveis petardos que levou a bola a bater estrondosamente num dos postes”, contava um dos vespertinos da capital. “OOOOOOHHH!” – ouviu-se pelas bancadas de St. James. Era para isto que o povo tinha acorrido ao estádio e tudo parecia ir ao encontro do que se esperava. “Eusébio voltou, em breve, a destacar-se em duas boas arrancadas e, numa jogada de combinação com Artur Jorge, viu o seu pontapé fazer a bola passar muito perto da barra”. A verdade é que os próprios “geordies” (que é como são conhecidos os habitantes da “Toon”, isto é, Newcastle) estava em pulgas para ver Eusébio marcar um golo, mesmo que fosse contra a própria equipa. Era para isso que tinham gasto o dinheiro do bilhete: para verem ao vivo aquele portento de técnica e de força que transformara por completo o Mundial de Inglaterra. Mas bem puderam esperar. O golo de Eusébio nunca chegou.
A derrota
O único golo do jogo foi marcado por Tommy Gibb que, mesmo frente a José Henrique, fez passar a bola por entre as pernas do guarda-redes encarnado. Estavam decorridos apenas 17 minutos de jogo. Havia ainda muito a esperar dele. Estranhamente, a poderosa linha avançada do Benfica, formada por Eusébio, Simões, Nené, Vítor Baptista e Artur Jorge, não fez aquilo que estava habituada a fazer em todos os jogos: marcar um golo.
Além da festa dedicada a Eusébio, o Newcastle preparara outra dedicada à chegada da sua nova estrela, o recém-contratado Malcolm McDonald, um artilheiro que custara a módica quantia de 180 mil libras (algo como uns 12.500 contos à época) e que se esperava que viesse dinamizar o ataque dos Magpies.
McDonald ficou na sombra de Eusébio. O público só tinha olhos para ele, só a ele dedicava os gritos d incentivo e entusiasmo sempre que o via pegar na bola e ameaçar aquelas tremendas e devastadoras arrancadas. Mas não era dia. Nem nos últimos 15 minutos da partida quando o Benfica, num esforço derradeiro, caiu em cima do seu opositor com todas as suas armas e o Pantera Negra teve nos pés, por mais de uma vez, o golo do empate, sobressaindo-se então o keeper McFaul. Só que a admiração por Eusébio chegou e sobrou para lhe desculpar o pecadilho. No final da partida, toda a gente se levantou para aplaudir, de pé, o rapaz da Mafalala que já cumprira os seus 29 anos e sofria a bem sofrer do joelho esquerdo que fora à faca for cinco vezes. O clube, já no ambiente interior e íntimo da festa de recepção aos benfiquistas, ofereceu-lhe uma pequena homenagem com direito a bolo e a vinho do Porto, que é coisa que para lá da Mancha ninguém dispensa. Mais uma vez, Eusébio estava entre os seus. No país que mais ternura e respeito que lhe devotou até hoje.