A regra de que o pagamento das horas extra a médicos só poderá aumentar se não for excedido o montante gasto pelos hospitais em 2019 com trabalho extraordinário e prestação de serviços vai manter-se. Os administradores hospitalares reuniram-se ontem com a ACSS, como tinha anunciado o secretário de Estado da Saúde, e a ‘norma-travão’ no diploma publicado esta semana, que levantou dúvidas sobre a aplicabilidade do aumento do pagamento dos médicos por trabalho extra nas urgências anunciado no Governo não muda, embora possa ter de cair nos próximos meses se o recurso a horas extraordinárias nos hospitais continuar acima de 2019, apurou o Nascer do SOL.
Para já, o Governo manterá no entanto a redação inicial do diploma, promulgado pelo Presidente da República no passado fim de semana, na altura já aludindo à existência de um plafond, o que só ficaria claro com a publicação do decreto-lei na segunda-feira ao final do dia.
O presidente do Centro Hospitalar Universitário de São João classificou o diploma de «inaplicável» num artigo de opinião no Jornal de Notícias, com os receios partilhados também pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
Um levantamento feito pelo i no Portal da Transparência do SNS revelou que nos primeiros seis meses do ano já foram feitas na Saúde quase 10 milhões de horas extraordinárias, menos do que em 2021 quando bateram recordes, mas um aumento de 42% face ao primeiro semestre de 2019.
Analisando hospital a hospital, dados disponíveis em bruto na base de dados do Ministério, constata-se que a maioria está a recorrer mais agora a horas extraordinárias do que antes da pandemia, com exceção para o Centro Hospitalar Universitário de São João e o Hospital Magalhães Lemos, em que o recurso a horas extra ficou ligeiramente abaixo de 2019.
Para aumentar o pagamento dos médicos a partir da 50ª hora extra, até 70 euros a partir da 150ª hora extra, sem ultrapassar os plafonds de 2019 teria de diminuir a tendência aumentada de recurso a trabalho extraordinário e prestação de serviços – diminuindo a prestação de serviços, uma das intenções já manifestada pelo Governo, a tendência será aumentar o recurso a trabalho extra, o que com a atual regra implica que os pagamentos não poderão ser aumentados na maioria dos hospitais.
A semana na Saúde ficou marcada ontem pelo anúncio do pedido de demissão da equipa do serviço de urgência do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, por considerar não haver condições mínimas nas escalas para agosto. «Estão asseguradas as condições mínimas para [as urgências] funcionarem de um modo que não é aquilo que a gente quer, absolutamente, mas que mantêm a segurança», afirmou a presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Rita Perez, no final de uma reunião.
A situação nas urgências obstétricas, um dos pontos de preocupação este verão, complica-se também com a entrada de agosto. Na quarta-feira, uma grávida de Vila de Rei, de 41 anos, perdeu o bebé depois de se ter deslocado cerca 100 km até Santarém. Um caso cujos contornos não são claros: já foi noticiado que teria consultado o portal do SNS onde viu a indicação de que o serviço de Abrantes estaria condicionado, tendo optado por deslocar-se ‘pelo próprio pé’ a Santarém. A indicação numa emergência é contactar o 112. Por outro lado, o vice-presidente de Vila de Rei relatou à CNN que, segundo a versão da família, a grávida estaria a ser seguida no privado, a médica entrou de baixa indicando-a para o hospital, tendo a carta sido recusada. Esta referenciação é suposto ser feita pelo médico de família, o que não é claro se aconteceu ou por que motivo não ocorreu e o que sucedeu ao certo no episódio urgente – e até que ponto a informação chega à população. O Hospital de Abrantes abriu um inquérito. É a segunda morte conhecida na crise das urgências obstétricas, depois do caso de junho no Hospital das Caldas da Rainha, que levou o Governo a avançar para a criação de uma estrutura de coordenação a nível nacional.