Começa a pensar-se no sucessor de Francisco

Francisco está aberto a afastar-se do trono de São Pedro. Mas deverá querer manter-se no seu posto no mínimo até setembro, se conseguir, avalia o padre Anselmo Borges. 

Tendo o papa Francisco admitido que “a porta está aberta” à sua resignação devido a problemas de saúde, no regresso da sua visita ao Canadá, abriu-se também a época da intriga nos corredores do Vaticano. E, apesar não ser esperado que o sumo-pontífice de 85 anos se afaste de imediato, diferentes fações católicas, sejam mais conservadoras ou progressistas, certamente já estão a contar votos de cardeais, pensando em quem querem ver no trono de São Pedro.

“Evidentemente que muito vai depender de quem será esse novo papa, da sua personalidade”, explica o padre Anselmo Borges, professor de Filosofia na Universidade de Coimbra ao i. Admitindo  receio de que a ala mais conservadora da Igreja Católica, que tantos obstáculos colocou ao papado de Francisco, tente dirigir o Vaticano após a saída deste.

“É preciso uma igreja simples e humilde”, apela Borges. “É preciso acabar com o celibato obrigatório. É preciso que as mulheres na Igreja tenham todos os seus direitos, em igualdade, não podem ser descriminadas, de maneira nenhuma”, frisa. “É fundamental que a Igreja continue este diálogo ecuménico e inter-religioso. Que continue na salvaguarda da criação, com a ecologia que o papa Francisco acentuou”, continua. “Em última análise, que seja um papa como o papa Francisco. Há tanta satisfação com ele porque é um papa cristão, não apenas porque foi batizado, mas porque procede exatamente como Jesus procederia, estando todos, incluindo aqueles com que quase ninguém está”. Mas claro que “também é preciso ouvir os conservadores”, acrescenta o padre.

De facto, provavelmente qualquer sucessor do papa Francisco acabará por ter que ser, de alguma forma, um candidato de compromisso dentro do conclave de cardeais, que se fecha na capela Sistina para eleger o novo papa, comunicando a sua decisão através fumo negro e fumo branco. Até é considerado que, em parte, é devido a essas negociações que os sumo-pontífices tendem a ser eleitos com uma idade tão avançada. “A velhice torna um candidato ideal para compromissos entre fações num impasse, ansiosas por revisitar as suas opções mais cedo, em vez de mais tarde”, explicou Jan Machielsen, professor de História e Religião na Universidade de Cardiff, no artigo no Conversation.

Aliás, na imprensa católica mais conservadora, têm-se visto grandes críticas à intenção do papa Francisco de alargar o colégio de cardeais. Acusando-o de que querer enchê-lo de sacerdotes nomeados por si – sendo esperado que muitos sejam oriundos de África e da Ásia, continentes sub-representados na hierarquia da Igreja, com padres tendencialmente mais progressistas – para influenciar a decisão do seu sucessor.

Quem quer que eventualmente ocupe o trono de São Pedro terá nas mãos uma Igreja católica dividida entre sensibilidades muito diferentes, tentando perceber como se adaptar, ou não, à modernidade. Aliás, se Francisco equaciona tornar-se o segundo papa seguido a resignar, quando somente cinco o tinham feito antes do séc. XXI, talvez seja exatamente devido às mudanças do papel do sumo-pontífice. Com o advento dos meios de comunicação de massas e das viagens aéreas, os bispos de Roma viraram figuras globais – uma mudança inaugurada pelo “papa peregrino”, Paulo VI, o primeiro a sair de Itália desde os tempos de Napoleão, e reforçada pelo papa “superestrela”, João Paulo II – e Francisco já tem dificuldade em cumprir esse papel.

O sumo-pontifice até teve que recorrer a uma cadeira de rodas devido a dores no joelho, durante a sua visita ao Canadá, onde foi ao círculo Ártico, numa “peregrinação penitencial”, para pedir desculpa ao povo inuit, uma nação esquimó, pelos horrores cometidos pela igreja contra crianças roubadas às suas famílias, entre o séc. XIX e a década de 1970, para os obrigar a assimilarem-se. Francisco terá dificuldade em fazer muitas mais visitas como esta, repleta de emoção, tendo o papa pedido desculpa coberto de peles, sendo inclusive aplaudido por sobreviventes de abusos da Igreja.

 “Não acredito que possa manter o mesmo ritmo de viagem de antes”, admitiu o sumo-pontífice, falando à imprensa no seu avião, durante o regresso. “Acredito que na minha idade, e com estes limites, devo-me poupar para poder servir a Igreja. Ou, pelo contrário, pensar na possibilidade de me colocar de lado”, continuou o papa Francisco. Frisando que a hipótese de renunciar, à semelhança do que fizera Bento XVI, “não seria um desastre”. Ainda que tal implicasse  a situação insólita de ter dois ex-papas vivos ao mesmo tempo.  

 

Calendário muito ocupado

Há muito que havia rumores na imprensa católica e italiana – ainda que pouco fundamentados – quanto à saúde do sumo-pontífice. Mas, a Anselmo Borges, não lhe parece que o papa Francisco faça tenções de se afastar tão cedo.

Para já, porque o Vaticano já confirmou a presença do sumo-pontífice nas comemorações anuais da “celebração do perdão”, na cidade italiana de L’Aquila, em agosto. Esse até foi um dos motivos para a especulação de que o papa Francisco iria afastar-se do seu posto, dado que planeava rezar na tumba, de Celestino V, um papa eremita que em 1294 foi o último sumo-pontífice a resignar antes de Bento XVI. Depois, porque o Francisco tem uma visita marcada ao Cazaquistão em setembro, dedicado a um dos temas que lhe são mais queridos, o diálogo inter-religioso, planeando encontrar-se com líderes das grandes religiões mundiais. E o papa certamente “gostaria de se encontrar com o patriarca Cirilo de Moscovo”, garante Borges, lembrando a enorme vontade do Vaticano de ter um papel de mediador perante a invasão da Ucrânia.

Para este padre e professor de Filosofia, tudo indica que o papa Francisco – caso não sofra de um agravamento significativo da sua saúde – gostaria de se manter no cargo até ao sínodo marcado para 2023. Mas “o papa Francisco é jesuíta. E tem aquele ponto fundamental dos jesuítas, que é o discernimento”, salienta Borges. “Ele vai andando e vendo a evolução dos acontecimentos”. Admitindo-se triste que o sumo-pontífice esteja a equacionar a afastar-se. “Ele é uma bênção para a Igreja e para o mundo”, garante. Declarando já o seu favorito a seu sucessor. “Gostaria que lhe sucedesse o cardeal Antoni Tagle, em quem o papa Francisco tem tanta confiança”, aponta o sacerdote, referindo-se ao cardeal filipino, de 65 anos, atual Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos. “Por um lado está na linha do papa Francisco, e por outro é um cardeal asiático”, elogia Borges.