Stress em agosto e fusão de maternidades no horizonte

Coordenador da comissão de resposta em urgência de obstetrícia admite necessidade de fechar maternidades. 

Com o encerramento de urgências de obstetrícia a repetir-se e a chegada de agosto, mês por norma com maiores períodos de férias, o Governo convocou para esta segunda-feira uma conferência de imprensa para explicar a estratégia, que tem sido de “abre e fecha” e encaminhamento de grávidas de uns hospitais para os outros. No horizonte, está já o cenário de virem a ter de ser concentradas maternidades, nomeadamente em Lisboa ou no Algarve, apurou o i. A questão foi colocada em cima da mesa este fim de semana pelo coordenador nacional da comissão de resposta em obstetrícia e ginecologia, a estrutura criada em junho pelo Ministério da Saúde para gerir a falta de equipas para assegurar escalas este verão e preparar uma proposta de solução para o futuro.

“Temos, de facto, que considerar a possibilidade de encerrar algumas maternidades. Em primeiro lugar, nós não conseguimos formar, nem atrair médicos obstetras e ginecologistas, em tempo útil, para acudir a alguns problemas”, afirmou Diogo Ayres de Campos, que é também responsável pelo serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria, em entrevista à rádio TSF e ao Jornal de Notícias. Salientando que esta não será uma solução para o interior, o médico considerou que será “a única forma” de, a curto prazo, dar resposta ao problema, ressalvando que esta é a sua visão e que não foi ainda discutida no grupo de trabalho, que deverá apresentar uma proposta concreta entre setembro e outubro, pretendo-se que seja aplicada para o inverno, adianta.

 

Seis maternidades na grande Lisboa

Ayres de Campos afasta a possibilidade de encerrar maternidades “que estão muito distanciadas”, como a de Bragança, Abrantes ou Portalegre, considerando que “são essenciais” para manter a população local – o que aponta no sentido da fusão de serviços mais próximos, de que Lisboa é paradigmática.

Só na Grande Lisboa há seis maternidades públicas: São Francisco Xavier, Maternidade Alfredo da Costa, Amadora-Sintra, Hospital de Cascais, Hospital de Santa Maria e Hospital de Loures. Junta-se, na margem Sul, o Hospital de Almada. O encerramento da MAC está previsto com a abertura do Hospital de Lisboa Oriental, agora ajudicado, pelo que ainda não é um cenário para já. Um factor que complica a equação é que, apesar de nascerem menos bebés do que no passado, há mais gravidezes de risco e com complicações do que no passado, também pela idade crescente das mães.

 Quanto ao recurso ao privado, que chegou também a ser colocado em cima da mesa em Lisboa, Ayres de Campos considera que é “extremamente difícil”, justificando que os hospitais têm as suas próprias rotinas e uma forma de funcionar “mais individualizada”, o que também “condiciona mais partos induzidos e cesarianas”. Algo que tem sido de resto uma batalha nos serviços de saúde públicos, onde há orientações para recorrer a cesarianas só quando existe justificação clínica, seguindo as orientações internacionais. Tema em que Diogo Ayres de Campos, um dos especialistas nesta área no país, presidente da Sociedade Europeia de Medicina Perinatal, não transige. Em julho, pouco tempo depois de assumir as novas funções, foi direto: “Acho que os hospitais particulares têm dado algumas respostas boas, mas há outros indicadores de qualidade dos cuidados obstétricos, como a taxa de cesarianas que, a nível europeu, é algo que nos envergonha. A palavra é forte, mas é mesmo isso que se passa”, afirmou em julho, recordando que Portugal tem uma taxa de 66% de cesarianas nos hospitais particulares.

A discussão sobre o encerramento de maternidades já foi suscitada no passado mas por razões de qualidade: a Comissão de Saúde Materna e Neonatal chegou a recomendar, há 15 anos, o encerramento de todas as maternidades com menos de 1500 partos por ano. Foi um tempo marcante no ministério de Correia de Campos, que levou a cabo o encerramento da maternidade de Elvas. Numa entrevista recente, e questionado sobre esse processo, o ministro sublinhou que a questão atual não é de perda de qualidade e que se percebe que os pais e mães querem as melhores condições, mas estas podem não estar garantidas na proximidade imediata mas em proximidade. E deu um exemplo: “No Algarve, temos duas maternidades com toda a qualidade e uma delas manifesta-se nalguns dias da semana incapaz de constituir as equipas que permitem acolher pessoas que não estão acompanhadas.”

 

Agosto sob stress

Os problemas nas equipas não se cingem no entanto apenas à obstetrícia, com os últimos dias marcados pelo pedido de demissão da equipa da urgência geral do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, e 55 médicos a recusar fazerem mais de 150 horas extra, a obrigação legal, no Garcia de Orta, noticiou o DN. Segundo o i apurou, este domingo o Hospital de Almada esteve mesmo  sem resposta urgente a doentes politraumatizados, o que limite a resposta na margem Sul, uma situação que a administração do hospital não esclareceu a este jornal questionado desde sábado. Ontem o SIM confirmou que tanto as urgências de obstetrícia e ortopedia estavam condicionadas até segunda-feira de manhã.