por José Maria Matias
São tempos estranhos. Dificilmente se esperava que uma maioria absoluta do PS estivesse, ao fim de quatro meses, com um desgaste de quem governa há 30 anos. Isto depois de durante anos a fio terem estado em governo com acordos parlamentares com a extrema-esquerda, a aspiração seria de um certo alívio dessa condição. António Costa encontra-se numa posição curiosa: não reformou o país como poderia e, ao mesmo tempo, promoveu uma diabolização da direita que teve resultados. Com isto, não foi só o país que ficou preso a António Costa, foi também António Costa que ficou preso ao país. Hoje, nem o país consegue mudar de página nem, estranhamente, António Costa consegue seguir a sua vida. Está sem sucessores e deixa um legado que, em larga medida, já é visto como medíocre. Ironicamente, tornou-se o maior eucalipto da nação. Secou-se a si, secou o partido e secou o país.
Ao mesmo tempo, já existe um novo líder para o PSD, havendo um dado muito curioso sobre este facto: o novo líder do PSD já tinha ido a votos com Rui Rio, tendo perdido. Mais, trouxe como vice-presidentes outros dois ex-candidatos à liderança do PSD que também perderam contra Rio. Ou seja, como primeiro sinal político, Montenegro formou uma coligação dos vencidos por Rui Rio, sendo que este, por sua vez, perdeu consecutivamente contra António Costa e o PS. Depreende-se que aquele que ainda é visto como o maior partido da oposição demonstra para já uma grande dificuldade na regeneração política que se pretende e, com isso, levanta-se uma questão importante: como esperar que o PSD seja uma alternativa ao PS? Com Montenegro subsiste o dilema de Rio: é mais incomodativo o eventual partido com que terão de se entender do que o partido que têm obrigação de combater.
Por outro lado, os últimos meses deixaram a nu tudo aquilo que muita gente séria tinha vindo a apontar. Um país de crescimentos circunstanciais e não estruturais, incapaz de fazer reformas importantes, sem meios para mobilizar o povo português para novos desígnios e uma enorme falta de competência na capacidade previsão e resolução de problemas. O colapso do SNS como nunca tinha sido visto. Os incêndios que regressaram, demonstrando que pouco se aprendeu com 2017. A crise estrutural na educação, sendo que uma das formas de avaliar o desenvolvimento de um país é observar a forma como são tratados os seus professores. As avarias consecutivas na rede de transportes. Em julho deste ano compreendemos, através das diversas mensagens governativas, que a receita para preservar os serviços públicos é evitar que o público utilize os serviços. Bastava a combinação de dois destes fatores para deitar abaixo qualquer governo com ou sem maioria absoluta, com a combinação de todos estes deveríamos ter no mínimo uma data para eleições antecipadas. Não tendo, percebe-se que, surpreendentemente, a caótica situação do país real consegue não ser pior do que a situação política do país. Ao fim de 7 anos já não existem fantasmas, já não se pode culpar Passos Coelho ou a direita. Já não se pode fugir às responsabilidades, principalmente considerando que caso este governo chegue ao fim em 2026, terá governado 11 anos sem qualquer interrupção.
É por isso um tempo estranho para um conservador e para a direita, porque encontra-se numa posição profundamente contraditória à sua natureza. Para um dia governar Portugal terá de partir de uma premissa que lhe tira o chão natural comum: existe pouco ou nada a conservar do legado socialista que foi deixado ao país.