Já tinha a bagagem toda arrumadinha, pronta para ir para o carro. Numa inspiração de última hora, dirigi-me à estante da sala e tirei de lá um livro grosso, de 400 e tal páginas, capa branca. Depois disso, ao passar por um montinho de livros, vi um outro, de capa acinzentada. Pelo sim pelo meti-o também no saco, juntamente com uns quatro ou cinco volumes escolhidos na véspera.
Porquê estas decisões repentinas? Existe algo quase libertador em decidir assim por impulso, sem mais, mesmo que se trate de um assunto tão trivial como escolher o que vamos ler nas férias. Há uma impressão – provavelmente ilusória – de estarmos a ‘baralhar’ as contas do destino.
A verdade é que não sabia bem o que esperar de qualquer um destes livros. Tanto podia ser uma boa surpresa como um fiasco total. O de capa branca – chamemos-lhe assim – fora-me recomendado por uma pessoa de confiança. O de capa cinzenta, embora um clássico, era para mim uma espécie de tiro no escuro. Do seu autor, Somerset Maugham, nunca tinha lido sequer uma linha.
Chegada a noite do primeiro dia de férias, foi precisamente por este, o último a juntar-se à bagagem, que comecei. Não me arrependi. Ambientado na Primeira Guerra Mundial, conta as façanhas de Ashenden, um agente britânico, decalcado do próprio Maugham, que exerceu esse mesmo ofício durante aquele período. Conta-se que Churchill terá achado o livro tão revelador do modus operandi dos serviços de espionagem britânicos que mandou censurar várias passagens.
Concluí essa primeira leitura com a sensação de bem-estar de quem termina uma bela refeição. Mas de modo algum enfartado. De imediato passei ao livro de capa branca.
Julgo que nunca me tinha acontecido. Ia mais ou menos a meio, a progredir a um ritmo razoável, mas com alguma resistência. Sentia-me a penetrar numa selva densa, neste caso uma selva de referências, com nomes atrás de nomes, muitos dos quais de autores que eu desconhecia por completo. A alturas tantas senti uma espécie de vertigem, quase uma náusea, perante tanta erudição.
A sensação de fastio era acentuada pelo contraste com a vivacidade e fluência do livro anterior. Ofacto é que foi com uma intensa sensação de alívio que pus o livro de capa branca de parte.
M as como era possível eu não estar a gostar, se a tal pessoa amiga se lhe referira de forma tão elogiosa? Pensando bem, não foi a primeira vez que os méritos de um livro recomendado por outra pessoa de forma entusiástica me passaram ao lado. Recordei o caso dos três grossos volumes de Os Thibaut, de Roger Martin du Gard, que acabei a ler por obrigação e que me deixaram quase indiferente.
Depois de uns dias a remoer no assunto, cheguei a uma conclusão. Uma conclusão que, apesar de ser óbvia, nunca me tinha ocorrido: os livros dos outros são os livros dos outros, não são os nossos. E o inverso também é verdade.
Certamente também eu já recomendei livros que não suscitaram nem de perto nem de longe o entusiasmo que eu senti ao lê-los.