O líder da Al Qaeda, o egípcio Ayman al-Zawahiri, tantas vezes dado como morto antes de reaparecer, finalmente foi abatido por um drone americano, anunciou a administração de Joe Biden, naquele que terá sido o primeiro assassinato seletivo conhecido dos EUA no Afeganistão desde a tomada do poder dos talibãs. O facto de Al-Zawahiri ter sido morto num enorme complexo fortificado na baixa de Cabul – sendo vizinho de boa parte dos altos dirigentes talibãs, vivendo num bairro onde, nos tempos do anterior Governo afegão, costumavam ficar as embaixadas – só veio reforçar os receios que o novo regime afegão volte a tornar o país num viveiro para terroristas, como ocorrera antes de 2001.
Não é claro quão profundo será o impacto da morte do chefe da Al Qaeda, que hoje é uma sombra da poderosa organização que levou a cabo o 11 de Setembro, mas cujos vários ramos lentamente se vinham a reconstituir. A guerra civil dentro do movimento jiadista, entre os lealistas à organização fundada por Osama Bin Laden e os restos do Estado Islâmico, dificultou a vida à Al Qaeda. Mas esta tem conseguido afirmar-se, dando um novo rosto a jiadistas locais, como se fosse uma espécie de franchise, estilo McDonalds. Havendo novas filiais como a Al-Qaeda no Subcontinente Indiano (AQSI), fundada em 2014, dois anos após a Al Shaabab, na Somália, ter jurado lealdade à organização. Enquanto a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico ameaça o Sahel – uma extensa faixa de território que passa pelo Burkina Faso, Camarões, Chade, Gambia, Mauritânia, Mali, Niger, Nigéria e Senegal – e beneficia de extensas redes de tráfico de armas ou droga através do deserto.
Aliás, em vida, o próprio Al-Zawahiri, conhecido como um ideólogo discreto e pouco carismático, sobretudo comparado com Bin Laden, fez tudo para garantir que a organização lhe sobrevivia. “Sob a liderança de Al-Zawahiri, a Al Qaeda tornou-se cada vez mais descentralizada, com a autoridade a recair sobretudo nas mãos dos líderes das filiais”, frisava um relatório recente do think thank do Counter Extremism Project.
Já os talibãs mostraram-se furiosos com o assassinato do seu convidado. Não havendo uma maneira plausível de negar que estavam conscientes da presença de Al-Zawahiri, por quem os EUA ofereciam uma recompensa de 25 milhões de dólares, mais a sua mulher e a filha, numa área tão movimentada quanto o bairro de Choorpur.
“Uma teoria é que os talibãs o tinham sob algum tipo de prisão domiciliária, o que lhes permitira mantê-lo sob uma vigilância estreita e explicaria porque é que ele estava no coração da capital”, apontou Ashley Jackson, co-director do Centre on Armed Groups e perito em grupos terroristas afegãos, ao Guardian.
Já os Estados Unidos assumem que Al-Zawahiri estava sob proteção da rede Haqqani, uma das fações mais de linha dura dentro dos talibãs, explicou uma fonte do Pentágono ao Economist. Esta rede, que se pensa funcionar de forma semi-autónoma dentro do novo regime fundamentalista islâmico, controlava a fronteira com o Paquistão – crucial para os talibãs durante a sua insurgência – e manteve relações bem documentadas com as secretas paquistanesas, sendo considerada o principal ponto de contacto dos talibãs com a Al Qaeda. Se havia receio de que esta rede permitisse à organização de Al-Zawahiri ter um porto seguro no Afeganistão, o sucesso dos EUA a abater este líder jiadista pode ser uma prova de que a promessa de Biden de o evitar com recurso a drones talvez não seja infundada.
Do Cairo a Cabul Al-Zawahiri, nascido numa família próspera no Egito, em 1951, cresceu vendo o seu país sob a alçada de Gamal Abdel Nasser, um pan-arabista ferozmente laico, que não hesitava em perseguir extremistas islâmicos. O futuro líder da Al Qaeda cumpriu o seu serviço militar, formou-se como médico, mas algures pelo meio radicalizou-se, juntando-se à Irmandade Muçulmana, que tinha como principal base de recrutamento a classe média. E beneficiou da breve abertura dada a grupos islamitas pelo sucessor de Nasser, Anwar Sadat, antes deste ser assassinado em 1981, por membros desses mesmos grupos, furiosos por Sadat ter assinado um acordo de paz com Israel.
Na onda de detenções a jiadistas que se seguiu, Al-Zawahiri seria detido no aeroporto, quando seguia para o Paquistão, cumprindo três anos de prisão por porte de armas, contando anos depois ter sido torturado, algo que o radicalizou ainda mais. Al-Zawahiri viria a encabeçar a Jihad Islâmica Egípcia, antes desta anunciar a sua fusão com os seus velhos parceiros da Al Qaeda, com quem partilhara bases no Paquistão e Sudão, quatro meses antes do 11 de setembro.
Esta união causou algumas fraturas dentro do grupo de Bin Laden, havendo queixas recorrentes de alguns dos seus fiéis de que os egípcios eram beneficiados. Mas esta união, somando a experiência em guerrilha urbana dos egípcios – que durante anos se dedicaram a atingir o regime do sucessor de Sadat, Hosni Mubarak – aos mujahideen de Bin Laden, seria a base daquilo que hoje em dia reconhecemos como Al Qaeda. Assumindo Al-Zawahiri a liderança do grupo após a morte do seu anterior chefe, em 2011. Não espanta que, agora, aquele que é considerado o principal candidato a substituir Al-Zawahiri é outro egípcio, o antigo coronel Saif al-Adel, também antigo membro da Jihad Islâmica Egípcia.