O Kremlin pela primeira vez acusou os Estados Unidos de estarem diretamente envolvidos na guerra da Ucrânia, através de operações de inteligência para fornecer alvos a Kiev. Esta escalada retórica, na terça-feira, surgiu horas após António Guterres avisar que “a humanidade está a um erro de cálculo de distância da aniquilação nuclear”.
Não era propriamente segredo que os americanos mantêm aviões e drones espiões, como os seus RQ-4 Global Hawk, a sobrevoar a Ucrânia a enormes altitudes, bem como satélites virados para este país e redes de espionagem, detetando aglomerações de forças russas. Aliás, foi assim que, semanas antes da invasão, a Casa Branca já avisava com toda a confiança que o Kremlin se preparava para invadir, apesar da incredulidade de boa parte dos analistas. Os olhos americanos nos céus da Ucrânia são considerados um dos motivos para a precisão com que as forças de Kiev têm conseguido atingir alvos militares comandados por Moscovo. Contudo, o Kremlin fazia tudo para fingir que não sabia de nada. A novidade é ter deixado de o fazer.
Talvez ignorar se tenha tornado impossível após o major-general Vadym Skibitsky, número dois das secretas militares ucranianas, contar ao Telegraph que serviços de inteligência ocidentais ofereciam à Ucrânia “informação de todo o tipo, minuto a minuto, em tempo real”. Skibitsky negava que os EUA estivessem a apontar alvos diretamente, o que poderia minar o argumento de que não eram participantes na guerra, mas sugeria “que havia um certo nível de consulta entre dirigentes das secretas de ambos os países antes de lançar mísseis, que permitiria a Washington parar quaisquer potenciais ataques com que estivessem insatisfeitos”, escreveu o jornal britânico.
“Tudo isto prova indubitavelmente que Washington, ao contrário do que a Casa Branca e o Pentágono dizem, está diretamente envolvida no conflito na Ucrânia”, queixou-se no dia seguinte o porta-voz do ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, citado pela TASS. O responsável acusa os EUA de indicar alvos para os M142 HIMARS, as plataformas de lançamento de mísseis americanas, capazes de atingir alvos até 80km, que têm semeado o caos na retaguarda das forças russas, atingindo pontos logísticos e depósitos de armamento.
Além de os EUA entregarem mais de 8 mil milhões de dólares (7,86 mil milhões de euros) em ajuda de segurança à Ucrânia, desde o início da invasão russa, “o fornecimento de armas é acompanhado não apenas de instruções no seu uso, mas neste caso eles cumprem a função de artilheiros”, acrescentou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova. Deixando o mundo ainda mais próximo da guerra nuclear, numa crise que parece tão ou mais perigosa até que a Crise dos Mísseis Cubanos, em 1962, durante a Guerra Fria. Aliás, foi por “sorte” que o mundo evitou um conflito nuclear até agora, avisara nesse mesmo dia o secretário-geral das Nações Unidas, durante a abertura de uma conferência dos signatários do Acordo de Não-proliferação Nuclear.