Morreu um dos homens maiores da cultura brasileira e um grande defensor da liberdade. Muito do que foi dito nos seus programas, nos dias de hoje seria impossível dizer. Jô Soares gostava de brincar com todos os temas e não havia assuntos tabu. Os portugueses, que tantas vezes foram gozados, à semelhança dos argentinos, por exemplo, não se sentiram com vontade de ir fazer queixinhas a alguma organização anti-xenofobia, pois o humor não tem limites. E Jô Soares adorava Portugal, onde tinha amigos especiais, mas não era por essa razão que deixava de brincar com os padeiros de bigode.
Mesmo durante a ditadura militar Jô Soares não se intimidou, e como a vida mudou tanto nos últimos tempos. Quem trabalha no Brasil em ficção sabe perfeitamente que os textos são censurados, não vá algum diálogo ofender um diácono qualquer. Seja branco, amarelo, negro, gay, camionista ou por aí fora. Até a simples expressão do ‘samba do crioulo doido’ está proibida. Ainda há dias estava a ver uma entrevista de Jô Soares onde um músico contava um episódio verdadeiramente hilariante que esteve na origem da criação de um samba, já que estava convencido que tinha sido uma mulher a causa da inspiração até que descobriu que era um travesti. A risota foi geral e tudo era permitido, algo que hoje, como sabemos, é impossível.
Muito boa gente ainda não percebeu que estamos perante uma ditadura ‘camuflada’ onde uns poucos nos querem limitar a criatividade ou a forma de viver. Por isso, é preciso comemorar Jô Soares, que ainda há uns tempos declamou um poema de Mary Elizabeth Frye: «Não chorem à beira do meu túmulo, eu não estou lá. Estou no soprar dos ventos, nas tempestades de verão, e nos chuviscos suaves da primavera. Eu sou a pressa inquieta dos ruídos da cidade e o silêncio das madrugadas. Não chorem à beira do meu túmulo, eu não estou lá. Estou no brilho das estrelas perfurando a noite e no cantar alegre dos pássaros. Não, não chorem tristes à beira do meu túmulo, eu não estou lá. Eu não estou lá, eu não morri. Eu sou a vida incessante e livre que corre nas águas do rio».
Por falar em ser livre, o que será que nos espera no futuro? Estaremos condenados a viver debaixo de ditaduras de esquerda ou de direita? Aquilo que foi alcançado depois da II Grande Guerra nunca esteve tão em perigo, pois a juntar-se aos populismos vivemos na angústia da possibilidade de uma III Grande Guerra. O que se passa em Taiwan estava escrito desde o início da guerra na Ucrânia e a ‘desmiolada’ Nancy Pelosi só veio dar mais gás a essa possibilidade. Se a China invadir Taiwan o que farão os americanos? Vão defender o pequeno país, dando início à guerra global?
Mas mesmo que o não façam, todos iremos viver pior, pois Taiwan é o principal fornecedor de chips tão necessários para tudo o que é elétrico. E a Europa é confrontada com todos os disparates que fez nos últimos anos, com a história da deslocalização de fábricas. Hoje é óbvio que foi um disparate monumental acabar com fábricas fundamentais para o funcionamento da economia e não só.
Mas se a China persistir nos seus exercícios militares, colocando Taiwan isolado do resto do mundo, serão, mais uma vez, os mais pobres a sofrerem as consequências, pois quem tem dinheiro em vez de comprar determinado ‘brinquedo’ opta por outro. Vamos mesmo que ter de aprender a viver de outra forma e o que é mais irritante é que vamos ser obrigados. Bem podíamos fazê-lo de livre vontade.
vitor.rainho@nascerdosol.pt