Depois de, na edição da semana passada, ter noticiado que a ‘máfia dos táxis’ controla as praças dos aeroportos de Lisboa e do Porto, o Nascer do SOL recebeu uma denúncia relativamente ao de Faro. Pedro (nome fictício), taxista que ali trabalha há muitos anos, relata o que acontece a Sul.
«Como é que funcionam as associações? Grande parte desta miséria se deve a elas. Sempre que se pede prestações de contas, há relutância em dar. Vive tudo na obscuridade. Da última vez que se apresentaram contas, até o valor do papel higiénico era astronómico», começa por dizer, acrescentando que 90% dos taxistas de Faro, «para não dizer mais, trabalham na ilegalidade». «Somos obrigados a ter um contrato de trabalho e não é cumprido por ninguém: trabalho com contrato e, mesmo assim, não recebo horas extraordinárias, não ganho feriados, etc. E esta quantidade de taxistas ganha à percentagem pura e isto facilita a fuga ao fisco dos patrões. Se não trabalharem não ganham e se estiverem doentes podem não ganhar», acusa.
«Se soubermos o número de táxis que há no país, pensamos nos impostos que estão em falta. No aeroporto de Faro, há taxistas que não levam as pessoas para sítios próximos como Gambelas. Há 75 licenças atribuídas que estão divididas em três grupos. Se formos apanhar um táxi à cidade, não há nenhum. No verão, está a frota toda no aeroporto e, mesmo assim, não chegam. Mas, no inverno, nem sequer compensa ir ao aeroporto. E nada disto é controlado», observa Pedro.
Segundo dados que a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) divulgou no relatório ‘Síntese sobre o Mercado Táxi em Portugal’, em 2020, no final de 2017 contabilizavam-se 13.729 táxis licenciados (menos 47 do que em 2016 e mais 86 do que em 2006): aproximadamente 4.500 concentrados na Área Metropolitana de Lisboa e quase 1700 na Área Metropolitana do Porto. Na cidade de Lisboa existiam quase 3500 táxis e na do Porto 716, seguindo-se o Funchal (454), Cascais (194), Ponta Delgada (147) e Coimbra (117).
No Sul do Continente, circulavam cerca de 2.800 veículos e, destes, 480 estavam no Algarve. Por outro lado, relativamente às zonas com menor número de veículos de transporte de passageiros, encontrávamos: Vidigueira, Corvo e Constância (com três táxis cada um), Mourão e Alvito (com dois) e Barrancos (um táxi). Assim, havia, em média, um táxi por cada mil habitantes, mas mais de 1000 licenças por atribuir.
«Sempre que há uma fiscalização, os taxistas dos aeroportos de Lisboa e do Porto, que ‘entram nestes esquemas’, são avisados, e isso acontece também no de Faro. Faturo 100% daquilo que faço e sou dos poucos. 90 ou 95% destes carros não faturam ou fogem. Se compararmos os números de quilómetros, percebemos que alguém como eu tem 1000km ‘cheios’, como nós dizemos, e esses uns 250. Tem de haver um equilíbrio entre andar vazio e cheio», indica o taxista, não compreendendo a inércia das autoridades.
«O Estado é quem mexe nas tarifas e tudo, mas quem controla as frotas são as Câmaras Municipais. Por exemplo, em Faro, a compra da exploração de um táxi custa cerca de 200 mil euros: compra-se a firma da exploração da licença, mas pertence sempre ao Estado. Não se compreende como é que uma licença que supostamente é dada de graça é vendida a 200 mil euros!». Estes pagamentos, garante, são feitos em ‘dinheiro vivo’ para que não haja comprovativos de transferências nem dos valores reais das transações.
«A selvajaria começa dentro de portas e alastra para fora»
A presença dos TVDE_na praça do aeroporto algarvio não escapa às críticas do taxista. «Outra coisa que merece ser investigada é o que faz aqui a Uber: mostra que faz falta mais táxis. O Governo, aquilo que fez, foi buscar uma multinacional de trabalho escravo. Não se percebe como estão a recibos verdes. Em vez de meterem a mão nos táxis e modernizarem o táxi, pondo tudo correto, não: deixam tudo como está e metem os senhores da Uber. Inclusivamente, os preços que fazem… É uma concorrência desleal e o Governo é cúmplice disto», denuncia, explicando ao Nascer do SOL que os investigadores e dirigentes políticos que se dedicam à análise da mobilidade em Portugal deviam prestar atenção a todas estas nuances ocultas do mercado.
«Se em Faro há estes táxis e precisamos de 150, imaginemos, estes senhores não querem que haja mais porque depois não conseguem vender a exploração das licenças por estes valores elevados! Tenho colegas que, além de roubarem os outros, roubam constantemente os clientes! Até fazem o percurso duas vezes se for preciso. Temos uma esquadra da PSP no aeroporto, mas a maioria dos agentes nem fala inglês», lamenta o homem que sente revolta igualmente em relação às tarifas dos carros de menor e maior dimensão. «Há carros grandes que, quando têm um cliente ou dois, ou fazem o preço correto ou trabalham à margem da lei e fazem o preço do carro pequeno», afirma Pedro.
«E há outro problema: há ‘carros ladrões’, como lhes chamamos, que são pequenos, mas como têm dois bancos deitados ao fundo, o taxímetro conta como se fossem grandes. Não têm espaço para bagagem, os taxistas nem levam mais do que quatro pessoas», declara o profissional, não conseguindo aceitar aquilo que se passa com os formadores. «Conheço um que trabalha como taxista e é um dos piores exemplos que há na praça deste aeroporto: o que é que ele ensinará? E há muitos que não passam nos exames. No meu caso, tenho a sorte de não ser um fulano pequenino e como tenho fama de ‘maluco’, de quem diz tudo pela boca fora, isso também ajuda um bocado! Mas há sempre pressões», admite. Não esconde, contudo, que também comete atos que podem ser considerados menos adequados.
«Imaginemos que o meu objetivo é fazer 300 euros num dia: faltam 3 ou 4 euros. O cliente vai para o fim de Albufeira, podemos fazer vários caminhos. Se eu ficar com mais esse dinheiro, estou a roubar?_Depende daquilo que consideramos roubar! Mas estão sempre a roubar, principalmente, os reformados. E eu também não sou santo. Outra coisa que está mal são os suplementos: se pusermos um em quem não tem bagagem, estamos a falar de 1,60 euro. As pessoas não se apercebem e ficamos todos contentes. Faz parte do negócio. Mas se levarmos mais 20, 30, 40, 50 euros… Isto é roubar claramente», reflete, lastimando que os passageiros não saibam com quem falar quando sentem que foram enganados.
«E as Rádios Táxi põem o assunto debaixo da gaveta. Nunca ninguém quis meter a mão no setor e arrumar isto. Tem de haver enormes interesses – e eu sei que há – para isto continuar como é. Quando quisermos ver a realidade do país, viajamos de táxi. Até os estrangeiros dizem isto! É um setor corrupto dos pés à cabeça. A Uber e as outras empresas de TVDE estão a crescer tal e qual como os táxis ao início: os taxistas andavam à paulada com os estrangeiros e ganhavam muito. Que raio de país é este?», questiona com indignação. «Mas o Estado precisa tanto de dinheiro e não arruma isto para ser tudo legal?».
«Faro é a praça do país inteiro onde se fatura mais. A selvajaria começa dentro de portas e alastra para fora. Estes tipos têm todo o interesse em que haja esta impunidade para se roubar à vontade. No aeroporto de Faro, imaginemos que não está ninguém de colegas lá e temos uma fila de clientes. Vamos supor que a última pessoa da fila vai para Lagos: passa para primeiro porque a distância é maior. Isto acontece diariamente e a PSP não quer saber», conclui.
Contactado pelo Nascer do SOL, o Presidente da Federação Portuguesa do Táxi (FPT), Carlos Ramos, esclarece: «É sempre de lamentar o mau desempenho, em qualquer profissão. No caso apresentado, e não conhecendo a matéria de facto, assume a FPT que urge aplicar o Regulamento para a Praça de Táxis do Aeroporto Humberto Delgado, aprovado há vários anos, mas nunca (talvez por razões políticas) aplicado. Esse regulamento, aprovado por todas as entidades envolvidas, Câmara Municipal de Lisboa incluída, é sem dúvida uma ferramenta que promove a fiscalização de procedimentos e a punição, quando necessária, admitindo até a exclusão de prestar serviço na referida Praça de Táxis», refere, aludindo ao caso do aeroporto de Lisboa.
«Tem sido insistência da FPT, ao longo dos anos, a aplicação desse regulamento, mas a inércia permite que situações de irregularidade prejudiquem os passageiros e os motoristas de táxi que exercem a sua função alinhada com a missão de serviço público. Quando os envolvidos em irregularidades são devidamente identificados, cabe às autoridades cumprir a Lei e aos operadores (empresas, centrais, cooperativas), caso se aplique, ativar os regulamentos internos para sanção adequada», conclui.