No Nordeste de Portugal, a região de Trás-os-Montes ganha todos os anos uma nova vida nos meses de verão, quer pelos turistas que, curiosos, vão em busca de paisagens naturais de tirar o fôlego e uma gastronomia muito peculiar, quer pelos emigrantes transmontanos que, nesta altura do ano, regressam às suas vilas, aldeias e cidades de origem para desfrutar das férias e voltar às raízes, entre jogos de cartas com velhos amigos e noites de verão com as festas típicas desta estação.
«Esta região está muito ligada à emigração, portanto mais do que propriamente turistas, nesta altura do ano, há sempre muitos emigrantes, que vêm ver a família, estar em casa, voltar a ter contacto com as suas raízes…», explica ao Nascer do SOL Sara Moreira, de 23 anos, natural de Chaves. Para a jovem recém-licenciada em Ciências da Comunicação, que rumou para o Porto para estudar, mas que mantém o coração em Trás-os-Montes, o «turismo rural e de natureza» é o principal chamariz dos turistas que visitam a região nestes meses. «A tranquilidade, o fugir da rotina, o contacto com a Natureza e com animais não domésticos» são as principais razões desta atratividade, justifica a flaviense, explicando que essas atividades de turismo rural são mais populares fora dos centros urbanos de Trás-os-Montes, como Chaves, Bragança ou Vila Real.
Região rica
«De Bragança a Lisboa/ São 9 horas de distância/ Queria ter um avião/ Pra lá ir mais amiúde», já cantavam os Xutos & Pontapés, no seu tema clássico Para Ti Maria.
Se bem que não desde Lisboa, mas sim desde Cascais, no entanto, é possível chegar da região de Lisboa a Trás-os-Montes em menos de 9 horas, sem ter um avião privado. Talvez os membros da mítica banda de Rock and Roll português desconhecessem os serviços da Fly Sevenair, que faz uma ligação aérea entre o Aeródromo Municipal de Cascais e o Aeródromo de Bragança. São menos de duas horas de viagem, com paragens em Viseu e Vila Real, que encurtam distâncias para esta região que se destaca tanto pela sua história como pela sua gastronomia e pelo património natural que tem para oferecer aos seus visitantes.
Fale-se, por exemplo, das praias fluviais em torno da Barragem do Azibo, no concelho de Macedo de Cavaleiros, que conta com uma extensa lista de amenidades para proporcionar um dia de descanso a quem a visita, ou então uma série de atividades para quem não pretende ficar quieto na areia o dia inteiro. A Praia da Fraga da Pegada é galardoada consecutivamente com Bandeira Azul, aliás, desde 2004, o que faz dela um raro caso no que toca às praias fluviais europeias.
Mas quem fala de Natureza e de Trás-os-Montes não pode esquecer a Rota Termal e da Água, que percorre o Vale do Alto Tâmega, abrangendo o Norte de Portugal e sudeste da Galiza, entre Verín, Chaves e Vidago.
São 46,4 quilómetros de percurso, que, de carro, pode ser feito no mesmo dia, e que liga o património balnear desta região, conhecida pelas suas fontes, balneários e termas.
O complexo das Termas de Chaves é o principal chamariz nesta ponta da Rota, junto à margem direita do Rio Tâmega, onde já os romanos, nos tempos em que ocuparam esta região da Península Ibérica, recorriam às águas termais, que brotam a cerca de 73.ºC de temperatura, para fins medicinais.
Mas este não é o único local de interesse nesta região ligado às águas termais. Em Vidago, o Balneário Pedagógico e de Investigação das Práticas Termais merece também uma visita. Apesar de ser de 2016, e não dos tempos romanos, é ainda assim um local para os mais curiosos sobre os benefícios e as características das águas termais, aproveitando a proximidade com as águas minerais de Vidago.
E uma vez que visite Vidago, há um local que não pode faltar no roteiro: o Vidago Palace Hotel, talvez um dos hotéis mais emblemáticos do país, desenhado em 1910 pelo arquiteto José Ferreira da Costa e inaugurado pelo Rei D. Manuel II, cujo pai, D. Carlos, já seria ávido utilizador destas termas.
O edifício é rodeado por 40 hectares de jardins e foi alvo de um projeto de remodelação com a assinatura do prestigiado arquiteto Álvaro Siza Vieira. A sua popularidade é tal que, em 2017, o hotel serviu de ‘palco’ à série da RTP intitulada Vidago Palace, que decorre no ano de 1936.
Chaves encantadora
A maioria do turismo feito em Trás-os-Montes está ligado com a Natureza, mas isso não significa que as cidades que compõem esta região não tenham, em si, grande interesse para os visitantes. Chaves é a segunda maior cidade do distrito de Vila Real, a seguir à sua capital, e guarda em si vários pontos de interesse que fazem de uma visita enriquecedora e ponto necessário aquando de uma viagem a Trás-os-Montes.
A presença humana nesta região remonta ao Paleolítico, tendo a cidade sido habitada por diferentes povos ao longo dos séculos. Entre eles, os romanos, que lhe chamaram Aquae Flaviae, e cuja história e ‘marca’ deixada na cidade são o mote do Museu da Região Flaviense.
A Ponte de Trajano, o Castelo de Chaves, o Forte de São Neutel e as várias estações arqueológicas espalhadas em volta do concelho são outros pontos de interesse desta cidade, onde a gastronomia é também rainha: o vinho de Trás-os-Montes e do Alto Douro é reconhecido pelo país inteiro e o pastel típico desta cidade é também popular de norte a sul de Portugal.
Mas uma das ‘iguarias’ mais deliciosas desta cidade é o seu Folar, recheado com diferentes tipos de carne e derivados, ao contrário do típico Folar de Páscoa de outras regiões do país, que tende a ser doce.
Os enchidos de fumeiro são, aliás, um dos principais ex libris da gastronomia transmontana, principalmente em referência às alheiras, enchido fumado recheado com carne e gordura de porco e pão de trigo regional envolto em tripa delgada de porco com formato de ferradura, e cuja origem conta uma história curiosa: terá sido criado por cristãos-novos que, de forma a não levantar suspeitas sobre o facto de continuarem, em segredo, ligados aos costumes da religião judaica (que proíbe o consumo de carne de porco), terão inventado um chouriço onde a carne de porco foi substituída por carne de ave.
Ao Nascer do SOL, fonte da Câmara Municipal de Chaves contou que o turismo neste ano tem sido «francamente positivo». «Os turistas vêm motivados, essencialmente, pelo património milenar, pelo termalismo e pela ‘Rota N2’. Trata-se de um turismo cada vez menos sazonal, que se dispersa pelo território, optando por se libertar da pressão das zonas do litoral e privilegia a qualidade e bem receber únicos do nosso território», revela a autarquia, contando que «os locais que registam maior procura, de momento, são os patrimónios monumentais presentes no centro histórico, os quais convidam à descoberta e ao reencontro com as origens da cultura nacional, merecendo especial destaque a ponte romana de Trajano, o Museu das Termas Romanas, o rico núcleo medieval, com o Castelo de Chaves e as muralhas da restauração».
Mas há mais para descobrir em Chaves do que aquilo que vem nos guias turísticos. A cidade «possui tesouros que se vão revelando no colorido e tipicidade das suas ruas medievais, nos seus restaurantes típicos onde o pastel de Chaves é incontornável, no seu espaço de lazer ribeirinho ao Tâmega numa extensão verde de sete quilómetros, nos seus museus de arte contemporânea, no seu Casino, nos campos de golf na vila de charme de Vidago e no bulício da vida noturna. São muitos os motivos para visitar esta bela cidade fronteiriça, que proporciona ao longo do ano ‘escapadinhas’ para todos os gostos, sendo o termalismo um dos mais importantes», defende a autarquia, admitindo que «a iminente recessão económica mundial trará novos desafios ao turismo na região». «Contudo, ainda não se vislumbram impactos relevantes na cadeia de abastecimento do setor da região», conclui.
Macedo em altas
A cerca de 80 quilómetros de Chaves, um outro ponto de interesse na região transmontana é Macedo de Cavaleiros, concelho que alberga a Albufeira da Barragem do Azibo, e que todos os anos atrai também milhares de visitantes.
«A grande viragem no crescimento turístico deu-se no primeiro ano da pandemia, a segurança que este território oferece, aliada à sua riqueza e diversidade paisagística, numa época, em que uma das recomendações era o distanciamento, fez deste destino o lugar perfeito para se estar em família, neste caso a interioridade e a baixa densidade da população, acabou por funcionar como um atrativo», contou ao Nascer do SOL fonte da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, para quem não há dúvidas sobre qual é a principal atração do concelho: «A Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo afirma-se como embaixador, por excelência, e é, sem dúvida, um dos principais atrativos e ativos turísticos do território, onde a procura é mais notada». Mas não só do Azibo se faz Macedo de Cavaleiros. «Há uma forte e evidente demanda de turistas em torno dos Caretos de Podence, principalmente desde a sua entrada para a Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, em dezembro de 2019, procura essa que também veio a coincidir com o fenómeno causado pela pandemia», revela a autarquia.
«Ainda há muito para descobrir em Macedo de Cavaleiros, desde o seu singular Património Geológico que dá a oportunidade de percorrer milhões de anos na história da Terra, despertando o interesse de geólogos de todo o mundo. O seu diferenciador Património Natural, com paisagens deslumbrantes e preservadas, aliada às tradições e identidade do seu povo, que conserva o segredo de tratar a terra, a mestria com que confeciona os seus pratos e o carinho com que acolhe aqueles que o visitam, tornam a visita a este território uma surpresa constante e uma desafio aos sentidos», conta ainda fonte da Câmara de Macedo de Cavaleiros, referindo «o último rio selvagem da Europa, o Rio Sabor, o abrupto rochoso das margens escarpadas de natureza virgem, com rápidos radicais de cortar a respiração», que «fazem a visita a este local uma experiência para a vida».