Por Alexandre Faria, escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
Num país com uma forte tradição municipalista, base estrutural da organização administrativa portuguesa, o recente acordo para a descentralização assinado entre o Governo e a Associação Nacional dos Municípios Portugueses constitui um relevante passo para a reforma que o Estado tanto necessita.
Dentro da visão global que se deseja para uma melhor gestão pública, mais eficaz e capaz de responder às necessidades imediatas das populações, é inegável que as autarquias locais são as instituições que melhor conhecem os seus territórios e, uma vez munidas das transferências de competências e dos meios para o efeito, são aquelas que melhor poderão responder aos desafios das comunidades que gerem. No entanto, as suas responsabilidades aumentaram de uma forma considerável, sobretudo para os seus autarcas no âmbito dos mandatos que exercem, sendo fundamental que estejam à altura das missões agora entregues.
Apesar desta fase inicial prever apenas as áreas da educação e da saúde, deixando para 2023 a ação social e 19 outras áreas previstas num processo gradual e sustentado de descentralização, podemos presumir uma maior ambição reformadora, sendo evidente que este protocolo traz consigo um momento decisivo para a afirmação da gestão municipal, corporizado num documento capaz de desmistificar a persistente desconfiança que tem perseguido os municípios portugueses ao longo dos anos.
Na área da educação, a verba para a manutenção das escolas aumenta, em regime de comparticipação entre a administração central e a administração local e em função dos seus anos de existência, assim como a reconstrução de centenas de equipamentos escolares, financiada pela administração central, dentro de um mapa prioritário de espaços a reabilitar. Para além disso, os apoios do Governo às refeições escolares, tal como para as despesas com seguros e ADSE são, a partir de agora, reforçados. Na área da saúde, os municípios passam a definir os horários dos centros de saúde, estando os investimentos a realizar, assim como as necessidades relativas a pessoal, aprovados pelo Governo, a par de um concurso no âmbito do PRR para a construção e recuperação de novos estabelecimentos. Se tudo correr com o sucesso que se pretende, o longo processo negocial dos últimos quatro anos e as críticas de alguns autarcas serão rapidamente esquecidos, permitindo que Portugal progrida para as fases seguintes, dentro das áreas de atuação planeadas para o futuro.
António Costa, não apenas pela circunstância de ter sido autarca, mas sobretudo pela visão estratégica que revelou na reforma administrativa de Lisboa lançada em 2012, sabe muito bem o significado e o alcance que esta transformação poderá permitir.
Cabe agora aos autarcas justificarem a aposta histórica de afirmação municipalista que se encontra em curso, tanto ao nível da governação como em termos políticos, devendo envolver as juntas de freguesia nesta proximidade de gestão, tenham ou não a mesma cor partidária da câmara municipal. Porque o sucesso da descentralização só acontecerá com o empenho de todos.