Um professor de Neurociências da Charles University, em Praga, na República Checa, liderou a equipa de investigação que recrutou 54 mulheres às quais foi pedido que se masturbassem até atingirem o clímax usando um vibrador conectado por Bluetooth. Na sequência deste estudo, que publicaram na revista científica Journal of Sexual Medicine, James Pfaus e os restantes membros da sua equipa verificaram que existem três tipos de orgasmo feminino. No entanto, esta não é uma novidade: a denominação é que pode ser diferente e tanto o investigador norte-americano como o sexólogo português Fernando Mesquita estão de acordo com esta perspetiva.
“Na verdade, é uma pesquisa colaborativa entre mim, a Dee Hartmann e a Elizabeth Wood do Center for Genital Health and Education em Boulder, no Colorado, EUA, e o James Wang e a Elizabeth Klinger da Lioness. Estes últimos adquiriram uma grande quantidade de dados carregados no seu servidor por mulheres que usam o Lioness, então pedimos que iniciassem um site (a Plataforma de Pesquisa de Sexo Lioness) no qual as mulheres que usam este vibrador pudessem participar no estudo”, começa por explicar, em declarações ao i, Pfaus, adiantando que as participantes tiveram à sua disposição entre quatro a cinco potências.
Contudo, o Lioness (em português, significa leoa) foi inserido na vagina por aproximadamente cinco minutos, mas sem qualquer autoestimulação, para que a equipa pudesse obter uma leitura básica das contrações do pavimento pélvico. “Começámos isto em 2020, durante a pandemia, o que foi perfeito, pois foi inteiramente um estudo de ‘ficar em casa’”, sublinha Pfaus, avançando que o Lioness foi o brinquedo sexual escolhido porque possui dois sensores que detectam a intensidade das contrações do pavimento pélvico.
“As minhas duas colegas, a Dee e a Elizabeth, estavam a conversar com a equipa do Lioness sobre a criação de um estudo, e adicionaram-me como colaborador devido à minha pesquisa sobre orgasmo em ratos e humanos. Mas o Lioness é muito adequado para esse tipo de pesquisa, e a capacidade das mulheres de ficar em casa no seu próprio conforto (em relação a entrar num laboratório e masturbarem-se lá) é uma vantagem definitiva. Oferece uma maneira mais ‘ecologicamente válida’ de estudar os orgasmos das mulheres sem que tenham de revelar nada que possa identificá-las”, esclarece, reconhecendo que “é praticamente impossível obter aprovação ética para estudar mulheres ou homens a masturbarem-se em laboratório”.
“Podemos estudar as nossas respostas emocionais fisiológicas, cognitivas e/ou subjetivas à pornografia, mas os comités de ética na América do Norte, pelo menos, são muito reticentes em permitir que estudemos a masturbação e o orgasmo diretamente (mesmo que a pessoa esteja a fazer isso em determinadas condições). Esta é uma das principais razões pelas quais há tão pouca pesquisa sobre isso”, refere o investigador cujas áreas de interesse passam pelos eventos neuroquímicos e moleculares que servem ao comportamento sexual e às funções neuroendócrinas, nutrindo interesse particular pelo papel dos sistemas cerebrais de monoaminas e neuropeptídeos na excitação sexual, desejo, recompensa e inibição em animais de laboratório, assim como pelo papel desempenhado por hormonas esteroides e mecanismos de sinalização celular nas respostas neuronais e comportamentais a estímulos sexuais primários e condicionados.
“A capacidade de estudar dados secundários (já que as mulheres haviam experienciado a realidade de ter os seus próprios dados pessoais do Lioness armazenados num servidor da empresa, assim como os dados de um FitBit ou Apple Watch seriam armazenados) permitiu que usássemos os dados sem obter aprovação prévia do IRB – Institutional Review Board (pois os dados já existiam)”, detalha, relatando, porém, que mesmo assim quis deixar claro perante as inquiridas, a forma como os seus dados seriam usados, tendo sido exigido a cada uma que fornecesse consentimento informado antes de qualquer um dos seus dados ser trabalhado.
No que diz respeito aos três modos distintos como os músculos do pavimento pélvico se movimentam quando estas mulheres atingiram o orgasmo, Pfaus frisa que não são uma descoberta. “Masters e Johnson, em 1966, descreveram três tipos diferentes de resposta sexual feminina que derivavam principalmente do padrão de estimulação para o orgasmo. Bohlen e os seus colegas, no início da década de 1980, também relataram três tipos de orgasmo em mulheres com base no momento das contrações vaginais e anais”, lembra, acrescentando que, desde aí, todavia, “a maior parte da pesquisa tem sido sobre a qualidade subjetiva do orgasmo e/ou a percentagem de mulheres que usam estimulação externa do clitóris e/ou vaginal interna para atingir o orgasmo”.
“A questão ‘orgasmo clitoriano versus orgasmo vaginal’ tem sido dominante. Sinceramente, não sabia o que esperar, mas o trabalho de Bohlen há 40 anos era muito preciso, então não fiquei tão chocado ao ver três tipos, pois isso já havia sido observado antes (embora em muito menos mulheres)”, observa o docente universitário que trabalhou na Concordia University Montreal, no Canadá, durante 26 anos.
O perigo da comparação “Não me parece que exista uma grande novidade. Mesmo estudos dos anos 60, 70 e 80 registavam três tipos de orgasmo feminino: normal – há um pico de prazer -, as mulheres que têm orgasmos múltiplos, e aquelas que têm picos intensos – que é aquilo que dizem que é o vulcão. Umas conseguiam atingir o orgasmo e outras não”, indica o psicólogo clínico e terapeuta sexual Fernando Mesquita.
“Há alguns aspetos que é importante referirmos: a amostra é muito pequena e não podemos generalizar. E qual é, no fundo, a ideia do estudo? Não devemos usar este tipo de investigações para cairmos em comparações do estilo ‘As mulheres que têm x orgasmo têm mais prazer do que as outras’. Entraríamos em coisas como comparar os orgasmos com a estimulação do clitóris. É um risco se for esta a intenção. E há outra questão: a definição de orgasmo é um pico intenso de prazer subjetivo, existem contrações involuntárias na zona pélvica e noutras zonas do corpo. As pessoas podem achar que não são normais. O que não é normal é tentarmos encaixar-nos de acordo com as divulgações que surgem e servem para perturbar aquilo que poderia ser normal”, alerta o especialista que colabora frequentemente em diversas rubricas de programas televisivos – como em Casados à Primeira Vista, da SIC.
“O orgasmo depende muito do próprio estado emocional da pessoa. Tenho de estar bem, ter uma boa autoestima e o tipo de contacto com a outra pessoa, etc. vão influenciar a minha forma de ter prazer. Seria interessante percebermos se usando outra forma de prazer as pessoas teriam o mesmo tipo de orgasmo. O que o estudo diz é que 54 mulheres, ao utilizarem aquele tipo de vibrador, tiveram orgasmos deste tipo, mas não podemos fazer este tipo de generalizações. E não sabemos se usarem o vibrador noutro dia poderão ter contrações diferentes. Faz lembrar a questão do ponto G: andavam todos à procura e depois…”, reflete, indo, ao contrário daquilo que se poderia pensar inicialmente, ao encontro do ponto de vista de Pfaus, recordando os estudos de Masters, Johnson e até Freud.
“A onda faz lembrar ondulações ou contrações sucessivas de tensão e libertação no orgasmo. A avalanche desenvolve-se numa maior tensão do pavimento pélvico com contrações que diminuem a tensão durante o orgasmo. O vulcão parte de uma tensão inferior do pavimento pélvico, mas depois explode em tensão e liberta durante o orgasmo. É tudo qualitativo por enquanto, mas seremos capazes de lidar melhor com isso quando pudermos adicionar os outros dados subjetivos e objetivos à informação que já apurámos”, aponta Pfaus, alinhando-se com Mesquita, que é reconhecido como especialista em Psicologia Clínica e especialista em Sexologia, pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e como Psicólogo pela EFPA (European Federation of Psychologists Associations).
“Ainda não terminámos a recolha de dados, mas uma coisa que se tornou óbvia é que as observações de Masters e Johnson de que as mulheres tinham um estilo de resposta sexual ‘predominante’ estão a ser confirmadas com as respostas de orgasmo que estamos vendo com o Lioness. De certa forma, isso faz sentido. São mulheres adultas que já tiveram orgasmos muitas vezes antes e, como andar de bicicleta ou nadar, existem padrões motores que se cristalizaram através da experiência a serem associados à mesma”, afirma Pfaus, que levou a cabo o estudo com o vibrador que, em 2018, era tema de um artigo da categoria de Lifestyle da SAPO.
“Uma empresa tecnológica, fundada por duas mulheres e um homem, desenvolveu um vibrador que converte orgasmos em obras de arte. O dildo da Lioness integra um dispositivo ligado a uma aplicação móvel que regista as contrações pélvicas e a temperatura durante a utilização e elabora um gráfico abstrato, que pode ser partilhado nas redes sociais, impresso e até emoldurado. Está à venda por cerca de 196 euros”, lê-se no texto de julho de 2018. Hoje, se fizermos uma pesquisa, encontramos o dispositivo à venda por 228 euros.
“Temos muito mais dados de mais mulheres que usam o Lioness e às quais foi pedido que avaliassem as suas experiências subjetivas de orgasmos com o vibrador, da masturbação sem o Lioness e da interação sexual com os seus parceiros, usando duas escalas de classificação diferentes. Também fizemos perguntas sobre como elas atingem o orgasmo (clitoriano e/ou vaginal, etc.). Isso dar-nos-á uma visão mais focada na forma como os seus padrões e tipos de orgasmo se relacionam com o tipo de estimulação que usam e como isso se relaciona com o prazer e a qualidade dos seus orgasmos”, responde quando questionado acerca da suposta investigação em larga escala – e com dados referentes a uma maior janela temporal – que estará a iniciar, que foi mencionada pelo New York Post.
“A análise vai demorar um pouco! Mas espero que este seja um passo importante para entender exatamente o que as mulheres fazem para atingir o orgasmo, algo que poderá ser usado como referência para entender os distúrbios do orgasmo que podem ocorrer após tomar antidepressivos ou que têm sido um problema para as mulheres ao longo da vida. Como instrumento de biofeedback do pavimento pélvico, o Lioness também pode ser usado para ajudar mulheres com dificuldades de orgasmo, ou apenas para autoexploração”, realça Pfaus, que iniciou o percurso académico na American University Washington D.C. e prosseguiu-o na University of British Columbia – Vancouver. “Imagine por um momento que uma mulher tem dificuldade em se deixar levar, apesar de realmente querer. Um candidato provável é a tensão muito alta dos músculos do pavimento pélvico que estão essencialmente a impedi-la fisiologicamente de se soltar, mantendo a tensão muscular durante o período em que o orgasmo pode ocorrer. Fazer os seus Kegels e outras terapias de movimento muscular pode ajudá-la a controlar a tensão do pavimento pélvico, que ela poderá ver instantaneamente usando o Lioness e, assim, acompanhar o seu progresso terapêutico da mesma maneira que usaria um relógio FitBit para controlar a frequência cardíaca durante e após um treino, ou durante e após exercícios meditativos”, declara o docente universitário, estabelecendo um paralelismo entre esta monitorização de dados e aquela a que estamos mais habituados.
“O que é ótimo nisto é que está literalmente nas mãos do cliente/paciente, e não requer acompanhamento constante de um terapeuta. A sensação de maior controlo pessoal muitas vezes leva as pessoas a serem capazes de se ‘deixarem levar’ por um orgasmo. Além disso, como mencionei acima, porque normalmente é usado em casa, então o ambiente é privado e muito mais propício para uma pessoa poder expressar-se sexualmente”, admite. “E, como disse, as mulheres também podem usar o Lioness para autoexploração”, repete, exemplificando que podem monitorizar o tempo que levam para atingir o orgasmo e a qualidade dos mesmos “sob a influência de algumas bebidas, com estimulação exclusiva da glande versus estimulação interna, versus estimulação combinada, etc.”.