A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) já deu o tiro de partida em relação às sua propostas para poupar energia. E se uma das soluções passa pela diminuição da iluminação noturna –montras e iluminação pública – a mais polémica é a redução dos horários extensivos de funcionamento no comércio e nos serviços, lembrando que Portugal tem uma média semanal de funcionamento muito superior à média europeia.
Ao i, Carla Salsinha, presidente da União de Associações do Comércio e Serviços de Lisboa, admite que esta seria a última medida a ser tomada, mas garante que a avançar terá de ser complementada pelos centros comerciais.
“Não se pode falar apenas do comércio de rua. Teremos todos pensar de uma forma coerente”. E deixa algumas sugestões: “Os centros comerciais poderiam fechar ao domingo às 20h, o que já representaria uma redução significativa, ou em alternativa, durante a semana em vez de fecharem à meia-noite poderiam encerrar às 23h”. Uma redução que, no seu entender, poderia fazer toda a diferença tendo “em conta a quantidade de centros comerciais que existem no país e a luz que usam”.
Já em relação às lojas de rua lembra que, apesar de poderem estar abertas até à meia-noite, garante que a maioria fecha as portas entre as 19h e a 20h e, mesmo aquelas que possam encerrar mais tarde – como é caso de algum comércio na baixa de Lisboa, localizado nas zonas turísticas – acredita que podem encerram 1h mais cedo. “Facilmente seria possível passar o fecho das 22h para 21h ou das 21h para 20h)”. Carla Salsinha admite que isso irá ter impacto nas empresas, mas também deixa um recado. “Temos de perceber que são momentos difíceis e esta é a medida que gostaríamos que fosse a última a ser implementada, mas também temos de ter a plena consciência de que não há volta a dar e que alguma coisa tem de ser feita em termos da sustentabilidade e da poupança”.
Sugestões essas que não caíram bem ao diretor executivo da Associação de Centros Comerciais. Um cenário que, segundo Rodrigo Moita de Deus, “deve-se a todo o custo evitar” e, por isso, lembra que a maioria das associações apresentaram propostas concretas ao Governo para evitar essas soluções. O responsável vai mais longe e lembra os efeitos da pandemia no setor. “A experiência que tivemos na pandemia é muito elucidativa porque as vendas não acumularam para o ano seguinte e foram para o online, ou seja, tudo o que seja tirar horas às lojas físicas representa transferir milhões de euros para o comércio eletrónico”, diz ao i.
Rodrigo Moita de Deus não hesita em garantir que todo o setor está comprometido com o Governo e com o país em encontrar soluções de cortes significativos, sugerindo propostas, nomeadamente no campo da climatização, mas que atualmente conta com entraves. “Uma das soluções permanentes é tentar garantir condições que grandes edifícios possam dispor de consumo de autoprodução, por exemplo, painéis foto voltaicos, mas para isso é preciso agilizar os processos de licenciamento que demoram imenso tempo. O regulamento está bem feito, mas é a questão do licenciamento que envolve as câmaras municipais que torna complicado licenciar um painel fotovoltaico. Não estamos a falar de reduzir o consumo, mas reduzir a dependência energética do país”.
Montras apagadas Mais tranquila parece a proposta de reduzir a iluminação noturna, nomeadamente a das mostras, assim que as lojas fecharem as portas. Mas aí Carla Salsinha não hesita: “Terá de haver por parte do Estado um reforço da segurança”, lembrando que “há zonas de Lisboa, como a Baixa, que se não forem as luzes da lojas não há qualquer iluminação nas ruas porque as que exitem são fraquinhas. Caso contrário a cidade fica insegura”. De acordo com a responsável, esse é o principal entrave e receio desta proposta. “Já vimos imagens no que aconteceu em Badajoz, em que se via ruas todas apagadas. Se não houver um reforço de segurança estamos perante um drama grave”, refere.
E os hipermercados? A presidente da União de Associações do Comércio e Serviços de Lisboa também aponta baterias aos hipermercados ao considerar que não cabe só ao comércio de rua encontrar soluções. “Estamos perante uma questão de equidade e de justiça”.
Mas também aqui recebe cartão vermelho por parte da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).
Ao i, o diretor-geral, Gonçalo Lobo Xavier, garante que “a redução de horários é uma ideia populista e não contribui para a redução eficaz de consumo de energia e para o equilíbrio económico-financeiro do setor do retalho, como, aliás, se passa noutros setores da economia portuguesa” e garante que “neste momento não parece relevante copiar ideias que podem ser importantes em outros Estados Membros da União Europeia, mas que não têm aplicação no contexto nacional”.
O responsável lembra que, no imediato, o setor já tomou medidas para a redução do consumo de energia. “São exemplo disso a instalação de equipamentos de elevada eficiência energética, em particular tecnologias de refrigeração, arcas congeladoras, instalação de portas murais refrigeradas nos móveis de frio, implementação de sistemas de monitorização de consumos, ou ainda a adoção de iluminação eficiente”, lembrando que o retalho tem desenvolvido investimentos para contribuir para a produção de energia mais limpa, autoconsumo e distribuição na rede. E a APED também deixa recados ao Governo: “É preciso que o Governo agilize estes processos do ponto de vista da burocracia associada e apoios financeiros. O caminho tem de ser de sustentabilidade a médio prazo. Medidas de curto prazo aplicáveis noutras geografias, como é o caso da redução de horários, não são a solução para um país e um setor que tem dado respostas a todos os desafios dos últimos anos e está há muito tempo preocupado com esta questão, quer do ponto de vista da eficiência, quer do ponto de vista da sustentabilidade”.
E compensações No caso de avançar para o cenário de redução de horários, Carla Salsinha sugere que o Governo ajude as as empresas, em termos de redução fiscal, uma vez que, entende que as empresas estão sobrecarregadas com impostos. “Este alívio fiscal se calhar seria uma benesse. As empresas passaram por dois anos de pandemia e o comércio foi altamente penalizado porque estivemos fechados. Agora sob uma nova emergência é preciso também encontrar formas de aliviar as empresas para este novo desafio”.