por Nuno Cerejeira Namora, Sócio da Cerejeira Namora, Marinho Falcão & Associados e Advogado Especialista em Direito do Trabalho
Temos assistido ao longo dos últimos anos a uma redução do número de dias úteis que cada trabalhador dispõe para gozar férias. Foi assim em 2012, quando se eliminou do Código do Trabalho a possibilidade de majoração da duração do período de férias em função da assiduidade do trabalhador; e foi também assim em 2014, quando se equiparou o regime dos funcionários públicos ao dos trabalhadores do privado e se eliminou a majoração dos dias de férias em função da idade (acréscimo que podia chegar aos 28 dias úteis para os trabalhadores do Estado com mais de 59 anos de idade), muito embora se tenha mantido para a função pública o direito ao gozo de 1 dia útil de férias por cada 10 anos de serviço efetivamente prestado, numa relevante diferença face ao previsto no Código do Trabalho para a generalidade dos trabalhadores dependentes.
Estando nós em pleno período estival, convém recordar que o direito a férias, conquistado a ferros, é um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, gozando, até, de assento constitucional. De facto, o ordenamento jurídico entende, e bem, que é indispensável que qualquer trabalhador disponha de um período para que possa recuperar física e psicologicamente das agruras e inquietudes da vida laboral, favorecendo, assim, entre outros, a sua disponibilidade pessoal (para estar consigo mesmo e para desenvolver as atividades que plenamente o realizem) e social (para estar com o outro, seja com a família, seja integrando e participando na vida social e cultural).
A importância das férias para o trabalhador ultrapassa, evidentemente, o seu restabelecimento físico e psíquico, estando também relacionado com o concreto modelo de organização do tempo de trabalho que permanece dominante entre nós. De facto, na maior parte dos casos, o contrato de trabalho está construído de tal forma que o empregador, quando contrata o trabalhador, está verdadeiramente a contratar o seu tempo ou, melhor dizendo, a sua disponibilidade.
Dentro do período em que o trabalhador tem de estar disponível, no local designado para o efeito, o empregador pode determinar-lhe a realização de tarefas que integrem a sua categoria profissional. Mas, repita-se, aquilo que primacialmente o empregador paga é a disponibilidade, razão pela qual, em regra, o trabalhador não pode abandonar o seu posto, ainda que conclua antecipadamente (antes do fim do horário) as tarefas que lhe forem confiadas.
Acontece que este paradigma se encontra em franca transformação, e o conceito de férias ilimitadas é mais um elemento de uma organização do tempo de trabalho orientada não para a disponibilidade, mas para a produtividade ou, numa palavra, para os resultados.
As férias ilimitadas, que gigantes como o Goldman Sachs, a Netflix, o LinkedIn, a Oracle, o Twitter ou o Zoom já implementaram, partem de um pressuposto muito simples: deixa de existir um limite à duração do período de férias e não se organiza um mapa de férias. É o próprio trabalhador que gere o seu período de descanso, gozando o número de dias de férias (pagas) que entender e quando entender, desde que, naturalmente, condicione esse gozo à obtenção dos resultados ou à conclusão dos projetos e tarefas que lhe são exigidos no âmbito da organização que integra.
Este modelo, que hoje ainda é sobretudo usado enquanto atrativo no recrutamento de talentos, terá por certo, pelo menos em tese, as suas virtualidades: além de possibilitar uma maior conciliação entre a vida pessoal e profissional e de procurar responsabilizar e envolver mais o trabalhador no âmbito da empresa, poderá levar a incrementos de produtividade. Na verdade, a elevação da produtividade, que deveria ser um desígnio nacional, presta-se pouco a esquemas organizativos dotados de excessiva rigidez.
Sem embargo, a adoção das férias ilimitadas de forma generalizada colocaria também desafios: desde logo, seria necessário assegurar que todo o trabalhador gozaria, pelo menos, o número de dias legalmente previsto; depois, seria imprescindível uma gestão adequada e eficiente dos recursos humanos, tanto para garantir que a empresa não se via, de repente, sem funcionários, como para tratar os conflitos resultantes de situações de desigualdade, entre quem goza o mínimo legal e quem goza muitos mais dias de férias.
O principal problema na implementação de um tal modelo seria, como em muita coisa que respeita ao Direito de Trabalho, o da cultura empresarial portuguesa, pouco afoita a desativar os mecanismos de controlo da prestação laboral, vivendo ainda largamente num modelo de disponibilidade em detrimento de um modelo de produtividade. O mesmo para os trabalhadores, que creio não estarem, na maior parte dos casos, preparados para uma alteração de paradigma tão radical, certamente sucedendo que a maioria continuaria a gozar os mesmos 22 dias úteis de férias.
Não sendo um arauto do futuro, mas assistindo à marcha do Direito do Trabalho, penso que o caminho poderá passar, também, por aqui. Talvez daqui a uns anos seja possível não esperar pela reforma para, num par de meses, dar a volta ao mundo, finalmente se conciliando idade, dinheiro e disponibilidade. Até lá, já sabe: aproveite as férias.