SNS elogiado em rankings, mas profissionais de saúde continuam a emigrar

O SNS está bem posicionado em diversos rankings internacionais. No entanto, continua a debater-se com diversos problemas, como o aumento da mortalidade infantil ou a emigração de profissionais de saúde.

As visões relativas ao Sistema Nacional de Saúde (SNS) português variam muito. No entanto, é curioso perceber que, na maioria dos rankings europeus, Portugal encontra-se num lugar cimeiro e é elogiado. Contudo, quando passamos para as listas feitas mundialmente, o país já não é tão vitorioso. Mas o pior é mesmo a perspetiva que os turistas têm daquilo que se passa em Portugal.

“Porque é que o SNS português é tão mau?” é uma das perguntas que mais surgem online em fóruns como o Reddit ou o Quora e, infelizmente, há questionários que comprovam esta desilusão. A título de exemplo, encontramos facilmente inquéritos em que quem nos visita critica os hospitais e clínicas aos quais recorreu. No Numbeo, o maior banco de dados de custo de vida do mundo, deparamos com listas que nos dão a conhecer comparações com outros países. Relativamente à União Europeia, a meio do ano de 2022, França, Dinamarca, Espanha, Noruega, Finlândia, Áustria, Países Baixos, Bélgica, República Checa, Suíça, Reino Unido, Estónia, Lituânia e Alemanha eram os países que estavam à frente de Portugal no Health Care Index. 

Este indicador baseia-se numa análise estatística da qualidade geral do sistema de saúde, incluindo das infraestruturas de saúde; competências dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros de enfermagem e outros trabalhadores); custo; disponibilidade de medicamentos de qualidade e prontidão do governo para investir e inovar neste setor. Se tivermos em conta a forma como nos destacamos no mundo, estamos em 24.º lugar com Taiwan, Coreia do Sul, Japão, França e Dinamarca a ocuparem o topo da tabela.

Relativamente ao caso específico da grávida, de nacionalidade indiana, que perdeu a vida ao ser transferida, e cujo bebé sobreviveu, este desfecho não costuma ser comum, mas a verdade é que a taxa de mortalidade materna registou, em 2020, o valor mais alto dos últimos 38 anos. Em maio, o Jornal de Notícias avançou que a Direção-Geral da Saúde (DGS) está a investigar o que se passou para se atingirem estes valores: há dois anos, ocorreram 20,1 óbitos por cada 100 mil nascimentos, uma marca só ultrapassada pela que foi registada em 1982, quando ocorreram 22,5 óbitos por cada 100 mil nascimentos, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) consultados pelo jornal.

Da totalidade de mortes, “oito aconteceram durante a gravidez, uma durante o parto e oito no puerpério (até 42 dias após o parto)” e todas terão sido provocadas por complicações da gravidez. Por outro lado, há áreas em que o país parece ser especialmente valorizado por quem não nasceu cá, como os acordos de saúde celebrados com Portugal para que doentes de países, como os dos PALOP, possam receber tratamento médico. Já em 2012, a demógrafa Maria Adelina Henriques escrevia: “Vêm, porque no seu país não existe tratamento para os seus males! Por isso nos deparamos com uma grande diversidade cultural nos nossos hospitais, reforçada pelo peso dos imigrantes provenientes desses países em Portugal”.

“Subjacente à vinda de muitos destes doentes, estão anos de ‘batalhas’, de sofrimento, enquanto aguardam a decisão do Ministério da Saúde do seu país quanto ao pedido de junta médica, ou aguardam as verbas do Ministério das Finanças para pagamento da viagem para Portugal ou esperam por um visto. Também os processos de triagem nos países de origem apontam para processos de seleção pouco claros e ineficazes”, lê-se no resumo desta tese de mestrado.

“Não tenho razões de queixa de ninguém. Vim para Portugal há seis anos com dois filhos, tive um aborto espontâneo e, entretanto, fiquei grávida novamente. Sempre fui bem tratada”, diz ao i a cabo-verdiana Dina (prefere não revelar o apelido). “Mas vejo tantas notícias que fico com medo. Será que me vai acontecer alguma coisa má quando o meu bebé nascer? Pelo menos, sei que aqui há condições para os partos, ao contrário daquilo que acontece no meu país. Mesmo com todos os problemas”.

“Não vivem para trabalhar como nós” Entre 25 a 30% dos bebés que nascem, atualmente, são filhos de pais estrangeiros. E qual é a opinião dos profissionais de saúde portugueses que se mudam para países mais bem posicionados nos inúmeros rankings? É que, enquanto doentes continuam a vir para cá tratar-se, há quem termine os estudos ou já esteja inserido no mercado de trabalho e perceba que tem de sair do país para que o seu trabalho seja reconhecido.

É o caso de Joana Abrunhosa, uma jovem enfermeira de 26 anos que se mudou para os Países Baixos há seis meses. “A diferença maior é mesmo a qualidade de vida: dão muita importância à vida privada, há um bom equilíbrio. Não vivem para trabalhar como nós. À hora que é para sair do trabalho, sai-se e pronto. Eu, por exemplo, trabalho 32 horas (quatro dias por semana) e, portanto, não tem nada a ver com aquilo que trabalhava”, explica a rapariga que vive em Alphen aan den Rijn, uma cidade localizada entre Leiden e Utrecht.

“O ordenado é claramente superior e o custo de vida é um bocadinho mais elevado. A carga horária não tem nada a ver, nem sequer é permitido fazer turnos duplos no mesmo sítio. Aí fazemos horas extraordinárias e nem nos pagam. Em Portugal, o ordenado inicial dos recém-licenciados não é mau, mas olhava para colegas com 20 anos de experiência e ganhavam mais 10 euros do que eu. Por mais que sejamos bons, há uma estagnação e isto desmotiva por mais que gostemos daquilo que fazemos”, admite a enfermeira que trabalhou no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO) antes de ter decidido emigrar.

“Os holandeses são muito organizados, é a principal característica deles, e ao nível de recursos têm os melhores equipamentos. O sistema de saúde é diferente, mas têm acesso aos melhores cuidados. A nível teórico, os portugueses são muito melhores: por vezes, os holandeses nem sabem usar os recursos materiais que têm. É por isto que gostam de nós em todo o lado”, reflete a jovem que estudou na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa. 

“A língua é sempre um desafio apesar de achar que seria pior do que realmente foi. Nunca me julgaram, havia margem para o erro… E aquilo que nunca senti, mas acredito que vá sentir é a diferença do clima. Agora sei que vai doer um bocadinho. Faz sol, faz calor, mas o inverno deve ser muito mais rigoroso”, antevê. “E a comida é… Bem, é muito difícil encontrar peixe. É à base de fritos. Comem sandes ao almoço. Consigo fazer a minha comida, mas há coisas difíceis de encontrar”, partilha. 

“Não estou a trabalhar na área de que gosto: no início, temos de começar por algo mais simples e eu tenho o nível B1 da língua, e é necessário o B2 para trabalhar num hospital. Neste caso, queria estar num oncológico. Têm bastantes e são dos melhores da Europa. Pelo contrário, valorizam muito a progressão na carreira e se estivermos a trabalhar nas áreas que queremos e souberem que beneficiam se prosseguirmos estudos, financiam a formação”, narra a enfermeira que, tendo feito um investimento monetário e também de tempo na aprendizagem da língua, espera continuar a estudar.

“Trabalho com idosos: gosto, mas sinto que é simplesmente um trabalho para desenvolver a língua. Aqui ninguém corre, ninguém sai fora de horas… É um ritmo que não tem nada a ver. Estou num sítio em que posso melhorar os conhecimentos da língua, mas não os conhecimentos técnicos de Enfermagem. Por enquanto, é isto: logo se verá o futuro”, conclui Joana.