Por Luís Filipe Pereira
Gestor e ex-ministro da Saúde
A demissão da ministra da Saúde veio explicitar, ainda mais, a crise em que se encontra o SNS. São conhecidas as consequências desta crise que, no essencial, se traduzem na incapacidade do SNS-Serviço Nacional de Saúde de dar resposta a uma larga parte da população portuguesa que é forçada a recorrer, pagando, ao setor privado, através de seguros de saúde privados (cerca de 3 milhões de pessoas) e através de subsistemas públicos, como a ADSE (cerca de 1 M de pessoas – funcionários públicos e suas famílias) para encontrar a solução para os seus problemas de saúde no tempo e no modo de que necessitam.
E isto apesar da Constituição garantir o direito a todos os portugueses aos cuidados de saúde de forma geral e gratuita (apenas com taxas moderadoras).
Esta situação revela uma realidade dual e uma discriminação social : as pessoas que têm meios financeiros ultrapassam as dificuldades do SNS recorrendo ao setor privado, pagando, e as que não têm essa possibilidade, ou seja, a população mais desfavorecida e vulnerável, têm que suportar as consequências resultantes das deficiência do SNS, por ex. no mau atendimento e, por vezes, até no fecho dos serviços de urgência hospitalares, em algumas especialidades, tendo também dificuldades de acesso a consultas e exames e engrossando as constantes e elevadas listas de espera para cirurgias
O funcionamento do SNS tem vindo a degradar-se, em especial nas unidades hospitalares, como tem sido amplamente noticiado na Comunicação Social, e isto apesar do aumento dos recursos humanos, sempre referido pelo primeiro-ministro nos debates parlamentares, e do crescimento contínuo das despesas correntes do SNS que, desde 2014 aumentaram mais de 3 mil milhões de euros, verificando-se esta relação inversa – mais recursos, piores resultados – já antes da pandemia.
Ou seja, se existem mais recursos humanos e financeiros e a resposta do SNS continua a degradar-se, é forçoso reconhecer que há um problema de fundo na política e na estratégia seguida pelos Governos do PS para o setor da Saúde.
Neste contexto não é compreensível a posição do primeiro-ministro quando afirma publicamente que não modificará o rumo seguido até aqui na Saúde. É necessário derrubar o Governo para acabar com a situação da grave crise do SNS e para resolver os problemas de saúde dos portugueses?
Há muito tempo que venho defendendo que é fundamental e inevitável uma nova estratégia e uma modificação estrutural no atual modelo de gestão, de organização e de financiamento do SNS.
Esta nova estratégia e modificação estrutural terá que passar pela evolução do SNS para o conceito de Sistema Nacional de Saúde no qual possa haver a coexistência, de forma articulada e institucional, da presença de prestadores públicos, como hoje, e de prestadores privados e sociais que seriam contratualizados pelo Estado para prestar cuidados de saúde à população. O acesso pela população a estes prestadores contratualizados continuaria a ser garantido nas mesmas condições de hoje, ou seja, acesso geral e gratuito (só com taxas moderadoras).
Aliás, este acesso livre e gratuito era já o que se verificava nas PPP-Parcerias Público Privadas (que o Governo PS praticamente extinguiu por razões ideológicas) nos hospitais cuja gestão foi contratualizada pelo Estado à iniciativa privada e cujos resultados, em termos de menores custos e maior qualidade, foram confirmados por entidades oficiais, credíveis, como o Tribunal de Contas e a Entidade Reguladora da Saúde.
Esta nova configuração do setor da Saúde em Portugal permitiria dar melhor resposta às necessidades da população e ganhos em saúde e eficiência, pois o Estado contratualizaria as iniciativas privada e social mas pagaria apenas por resultados atingidos para a população em termos de rapidez de resposta, qualidade e custos mais eficientes.
Esta nova estratégia permitiria a competição, a favor dos utentes, entre as unidades geridas pelo Estado e as unidades prestadoras geridas pelas iniciativas privada e social, e permitiria também a comparação de desempenho entre elas, o que induziria melhores desempenhos nas unidades com pior performance relativa, estimulando, assim, uma melhor e mais rápida resposta às necessidades da população, com maior eficiência e menores custos.
Na contratualização, o financiamento das unidades prestadoras dependeria dos resultados obtidos, eliminando-se desta forma a situação de hoje no SNS em que há mais recursos financeiros e pior resposta às necessidades da população.
No que se refere à organização e gestão global do SNS, e como referi em artigo anterior, defendo há muito a separação a alto nível da responsabilidade politica da responsabilidade operacional, com a criação de um novo organismo autónomo, com a nomeação de um Presidente Executivo (CEO) responsável pela gestão operacional de todo o SNS, o qual responderia perante o titular politico – ministro(a) – mas com garantias de independência de atuação, espelhadas em legislação, no plano operacional e técnico (não clínico).
Esta solução exigiria uma profunda alteração da organização e gestão do SNS, com alteração/extinção de órgãos hoje existentes, como por ex., as ARS-Administrações Regionais de Saúde, o que seria muito diferente da criação de uma Direção Executiva, que seja mais um órgão a adicionar à macro estrutura existente, se esta for a solução que venha a ser adotada, pelo Governo, no Estatuto do SNS que aguarda a divulgação e promulgação pelo Presidente da Republica.