Enquanto todos os olhos estavam postos em Kherson, cujas defesas as forças russas tentavam reforçar face a uma contra-ofensiva ucraniana, Kiev lançou um ataque rápido e inesperado do outro lado do país, a sudeste de Kharkiv, esta semana. Reconquistaram cerca de 400 quilómetros de território, segundo estimou o Instituto para o Estudo da Guerra, penetrando cerca de 20km nas linhas russas. E talvez ainda mais crucial, deixando sob ameaça Izium, uma cidade transformada numa espécie de enorme base militar, a principal rampa de lançamento dos invasores para o oeste do Donbass.
Este avanço em profundidade deixou surpresos analistas, num conflito que se tornara uma guerra de atrito, com linhas da frente quase estáticas, após o falhanço das ambiciosas manobras russas contra Kiev e Kharkiv. O ataque ucraniano é descrito como tendo sido encabeçado por um «poderoso punho blindado», explicou Rob Lee, investigador sénior do Foreign Policy Research, no Twitter, tendo 15 tanques ucranianos rumado para a aldeia de Balakliia, sob ocupação russa, que foi cercada, estando a decorrer aqui os combates mais ferozes.
O choque dos invasores aumentou ainda mais quando se aperceberam de que a sua aviação não conseguiria varrer o avanço ucraniano. As forças russas continuam a estar em vantagem nos céus, mas os ucranianos tinham transportado discretamente para a área grandes quantidades de defesas anti-aéreas, protegendo o seu contra-ataque, naquilo a que os militares costumam chamar de uso de armas combinadas.
Pensa-se que esta parte da linha da frente estivesse a ser guarnecida sobretudo por unidades da Guarda Nacional da Rússia, que é dada como estando com uma moral particularmente baixa e a sofrer deserções, dispondo de artilharia insuficiente na região. Já as forças ucranianas não hesitaram em aproveitar-se disso.
«O pressuposto é que a Ucrânia tirou vantagem do reposicionamento dos russos para longe do norte e leste da vasta linha da frente para lançar este ataque surpresa», explicou o editor para a Defesa e Segurança do Guardian, Dan Sabbagh, referindo-se ao foco dos invasores na cidade de Bakhmut, em Donetsk, que já tentam conquistar há semanas, martelando-a sistemática e lentamente com bombardeamentos maciços, tentando aproximar-se de Kramatorsk, o grande ponto de abastecimento das forças ucranianas no Donbass.
Já o contra-ataque no sudeste deixou claro que a Ucrânia «está disposta a ser flexível e oportunista», notou Sabbagh. «E que qualquer pessoa que esteja segura de saber a estratégia de Kiev deveria em vez disso estar disposta a ser surpreendida».
Entretanto, com as forças ucranianas a tomar decididamente a iniciativa, o Kremlin arrisca ter de estar a apagar fogos, tendo de decidir se move tropas para o sudeste de Kharkiv, se continua a apostar no seu assalto a Bakhmut ou se reforça Kherson, no sul. Nesta frente, as forças russas também não têm tido muito boas notícias, tendo as forças armadas ucranianas anunciado esta quinta-feira ter avançado dezenas de quilómetros em direção à cidade, que tentam isolar da península da Crimeia, principal ponto de abastecimento dos russos nesta região.