Dado o rápido avanço das suas forças no sudeste de Kharkiv, o Governo de Kiev começa a pensar no futuro. Mesmo que Kremlin consiga estabilizar a linha da frente no rio Oskil, como anteveem os analistas, o impacto desta derrota sobre a moral das suas tropas foi enorme, levando a críticas públicas no seio da liderança russa e a especulação sobre um potencial golpe palaciano. Daí que a Ucrânia até já pondere como evitar uma eventual nova invasão da Rússia após o final desta guerra. E a solução não passa necessariamente por fazer parte da NATO, avaliou um relatório encomendado por Volodymyr Zelenskiy, divulgado esta terça-feira, abrindo caminho para começar a negociar.
A questão é que promessas de Moscovo – que já se comprometera a nunca intervir militarmente na Ucrânia, nos memorandos de Budapeste, assinados em 1994, a troco desta abdicar do arsenal nuclear que herdara da URSS – não chegam para que os ucranianos alguma vez fiquem seguros. “A mais forte garantia de segurança para a Ucrânia reside na sua capacidade de se defender a si mesma contra uma agressão”, diz o relatório, da autoria de Anders Fogh Rasmussen, antigo secretário-geral da NATO, em conjunto com Andrey Yermak, chefe de gabinete de Zelensky.
“Isso requer um esforço de várias décadas para investimento sustentado na base industrial de Defesa da Ucrânia, transferências escaláveis de armamento e apoio de inteligência de aliados”, continuava o relatório. Algo que seria conjugado com a promessa de sanções automáticas do Ocidente em caso de agressão da Rússia, juntando-se a isto “missões de treino intensivas e exercícios conjuntos sob a bandeira da UE e da NATO”.
Esta última parte certamente não cairia nada bem a Vladimir Putin. Mas a esperança de Kiev é que, continuando a guerra a correr de forma tão desastrosa para o Kremlin, este acabe por não ter alternativa que não ceder. A proposta tem a vantagem de abrir mão da necessidade de um acordo de defesa coletiva – ou seja, de que países ocidentais se comprometessem em defender militarmente a Ucrânia após um eventual acordo de paz – e certamente seria mais digerível para a NATO, apesar dos custos.
À mesa de negociações? O timming da divulgação deste relatório poderia sinalizar a disposição de Kiev para capitalizar os seus ganhos militares com negociações, antes que o conflito congele no inverno, arrastando-se. Já o Kremlin mostrou ter alguma abertura a sentar-se à mesa de negociações. Talvez por estar consciente que a Ucrânia recuperou em dias mais território do que os russos conquistaram desde abril.
“Não nos recusamos a negociar”, garantiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, em entrevista ao canal Rossiya-1, pouco após a magnitude da derrota russa no sudeste Kharkiv se tornar clara.
Não espanta que Kiev insista que a única maneira de forçar Putin a desistir da invasão é derrotando-o no campo de batalha. Daí que as suas forças explorem o sucesso em Kharkiv, lançando em simultâneo ataques no sul, cada vez mais próximos de Kherson, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, num contra-ataque que está a “progredir de forma significativa”. Deixando as lideranças militares russas divididas entre mandar reforços para o leste – onde agora os ucranianos conseguem atingir as linhas de abastecimento russas em Lugansk com os mísseis M142 HIMARS, disparando a partir das margens do rio Oskil – ou para Kherson, uma cidade portuária crucial, chave para o Kremlin poder sonhar alguma vez chegar a Odessa.