Para mim, ele será sempre o camisola dez. O camisola dez que puxa pela humildade da sua pessoa para ser o eterno rapazinho que veio da Covilhã ao encontro da cidade, à procura do mundo e de uma vida de liberdade que, de repente, encheu de cravos vermelhos e alegres este país sempre tão teimosamente triste. Próximo dia 17, no Coliseu, vai ser outra vez o camisola dez. 46 anos de carreira. Caixa de Luz. Aviso já, mesmo sem ter visto o espectáculo, como é evidente, mas tendo dado uma espreitadela a tudo aquilo que o rodeia, que algo de novo vai acontecer à vossa frente, se tiverem a possibilidade de lá ir. Mas bem melhor do que eu explica o João. O músico bem mais do que cantor; o compositor bem mais do que intérprete. E que com a sua companheira, Ana Mesquita, continua insaciavelmente em busca de algo que nos surpreenda, que nos fascine.
Vamos, então, por partes: o que é que o público vai encontrar de novo neste teu espectáculo?
O público vai encontrar um conjunto de retratos em que aparece também. Um público que cresceu comigo e um público novo que tem vindo a juntar-se ao longo do tempo. Vou ter a companhia de grandes convidados – Miguel Araújo, Frankie Chaves, a participação dos concorrentes a um concurso na RTP para interpretar o Perdidamente e uma Mega Surpresa que não vou revelar. Vai encontrar uma extraordinária cenografia para cada canção que vai imergir o público e sujeitá-lo a outros impulsos. Vêem. Pode haver maior exemplo de altruísmo? O artista e o público. O artista que quer encantar o público, o artista que quer surpreender o público. Um álbum novo, também, 46-JG-22. Um título que parece a matrícula de um automóvel e, vendo bem, é isso mesmo. 46 anos de carreira. João Gil. 2022. Poderia haver algo de mais simples? Digo já que não. Mas aviso: não simplifiquem. Conheço por demais o meu querido amigo João Gil para saber que não faz cedências à música. É um assunto sério. Seriíssimo.
46-JG-22 – a tal matricula de automóvel. Eu já sei porquê, mas podes explicá-la a quem não sabe? E, já agora, a outra matrícula que surge na capa do álbum.
Até ao momento são 46 anos de estrada, as minhas iniciais e o ano de saída do veículo. A matrícula RP-15-21 que surge na capa foi o primeiro carro do meu Pai. Inesquecível: sempre que ligava o motor e arrancava de casa o velho Peugeot marreco de cor preta cantava e rosnava bem alto a sua matrícula inconfundível- ÉRREPÊ1521. Qualquer dia faço-lhe uma canção.
Faz! Faz! Faz canções que nos deixem felizes, tu que és um homem da alegria e que combate a tristeza, a tua e a dos outros. Alegra-nos, João. És tão bom nisso! Falas de um álbum com muita luz: uma música iluminada?
Gosto de dar “saída” nas minhas letras, talvez por ser um tipo optimista tento sempre dar esperança em tudo o que faço e é dessa luz que falo neste 46-JG-22, saído destes tempos conturbados e difíceis que vivemos nos anos mais recentes.
Diz-me como escolheste os teus companheiros de palco para dia 27?
(Para quem ainda não sabe serão Miguel Araújo, Frankie Chaves, Elida Almeida e Carolina Deslandes e Ana Bacalhau. Aqui não há segredos nem mistérios). Tento sempre criar pontos de ligação e identificar as correntes que nos ligam uns aos outros. O Miguel Araújo e o Frankie Chavez são parte da mesma família musical em diferentes aspectos e todos se cruzam comigo, como um Rio Enorme. Este é o lado bom da vida onde gosto de estar sempre.
Ah! Imagina que ia mesmo perguntar-te algo como: João, ainda andas pelo lado bom da vida? Já respondeste. Ponto final. Andas mesmo. Passo à seguinte: o Coliseu significa alguma coisa de especial para ti?
Significa muito para mim! Tivemos noites gloriosas com os Trovante, Rio Grande e creio que o dia 17 de Setembro ficará gravado na nossa memória. O Coliseu é circular e provoca uma interacção especial com as pessoas, uma sala sagrada.
Circular… Claro! Bem visto. A verdade circular do som. 46 anos de carreira: sentes-te cansado?
Sinto-me pronto para o que aí vem, uma nova vida e a nascer de novo. Estou envolvido em muitas coisas que ainda não viram a luz do dia, e para isso conto com a minha incrível agência – Sons em Trânsito. Eu bem digo. Camisola dez. O camisola dez nunca se cansa. Está ali a fazer circular o som por entre todos nós. Desta vez no Coliseu. Outra vez! E ainda bem!
Podemos contar com mais uma década no mínimo? (E ele, sem pensar duas vezes, afinal o camisola dez é o maior produtor de entusiasmos, no campo ou no palco)
Haja saúde e cá estarei!
(Haverá! Era o que faltava que não houvesse. O nosso herói, Zorro se lhe quiserem chamar, vejo-o mais com a poupinha do Tintin, é de rachar catedrais. Em frente com a música. Sempre em frente!)
Compositor – é o que és e já mo confessaste. Agora chegou a altura de compores para ti próprio?
Chegou a altura para também compor para mim. Pretendo continuar a trabalhar com projectos colectivos como os Tais Quais e Ala dos Namorados entre outros, mas reconheço que sinto um prazer enorme em cantar e interpretar à minha maneira. Farei de tudo um pouco.
(Pois então. Digo e repito-me. É o camisola dez e não há camisola dez que não faça de tudo um pouco. E também faz parte da magia do número dez fazer de tudo um pouco e bem)
É fácil tocar num cenário interactivo, vivo, provocador, sem te distraíres do essencial?
É altamente inspirador e motivador sentir esse envolvimento. Vejo a cara de felicidade no pessoal mas não me posso distrair lá muito.
A tua relação particular com a Ana é frutífera exactamente porque há cumplicidade entre ambos?
A Ana é muito exigente consigo mesma, perfeccionista e é uma das pessoas mais visionárias que conheci até hoje, com o talento nato de antecipar o que vai acontecer a curto e médio prazo. Este espectáculo – Caixa de Luz – ganha muito com os seus cenários e a sua Arte, e eu tenho uma sorte dos diabos.
Este tipo de espectáculo é para continuar ou já há ideias novas?
Este Coliseu é o corolário duma série de caixas de luz que já fizemos. Está aparafusado para continuar a sua vida e percurso. A Viagem Pelo Esquecimento está a levantar voo para vários países e estamos a pensar em coisas novas mas que vão levar o seu tempo.
O rapazinho que veio um dia lá da Covilhã ainda existe aí dentro?
Absolutamente! Irrequieto e muito apressado, sempre a partir copos por distracção mas sempre rodeados dos amigos e da família, e claro, sempre com o meu povo.