Não, Alan Parsons, nascido em Dezembro de 1948, em Willesden, Londres, não era um psiquiatra nem um estudioso da mente humana. Era, como a dita rapaziada do meu tempo se recordará, e bem, um músico, compositor e engenheiro de som que se tornou tão bom nesta tarefa que acabou por participar na produção de álbuns como Abbey Road e Let it Be, dos Beatles, ou The Dark Side of the Moon, dos Pink Floyd. Com o pianista Eric Woolfson criou, em 1975, uma banda que levou o nome de Alan Parsons Project. Em 1978 lançaram uma canção que serve hoje, plenamente, para sublinhar o trabalho que o treinador alemão Roger Schmidt, que tem idade (55 anos) para ter gostado de ouvir Alan Parsons, implementou no Benfica: “And so/With no warning, no last goodbye/In the dawn of the morning sky/The eagle will rise again…”
Facto: sem grande estardalhaço, sem avisos e sem farroncas, Schmidt fez com que a águia voltasse a subir aos céus nos céus da manhã, de tal ordem que, naquele que se pode considerar o primeiro terço do campeonato – esta interrupção para que se joguem os últimos encontros das selecções nacionais na fase de grupos da Liga das Nações – surge na frente da classificação com dois pontos sobre o segundo classificado, um Braga excelente mas não surpreendente, cinco sobre o FC Porto e onze sobre o Sporting. Mais ainda: até ao momento, os encarnados disputaram treze jogos oficiais e contam com treze vitórias, praticando um futebol de qualidade, iminentemente ofensivo, de vez em quando até entusiasmante e, sobretudo, revelando uma segurança tremenda nos processos que foram implantados na equipa.
Acrescente-se que a grande maioria dos jogadores que compõem este Benfica – sobretudo se estivermos atentos aos treze/catorze que compõem a base da equipa titular – já lá estavam nas últimas épocas, arrastando-se penosamente num jogo acobardado e desleixado que provocou uma série de derrotas duras de engolir e exibições tão indigentes que se tornou quase um hábito que qualquer grupo de meia-tijela chegasse à Luz e montasse a tenda, levando a melhor em todos os capítulos daquilo que os ingleses tão correctamente apelam de association. Claro que não se pode ignorar a chegada de Enzo Fernandez, um médio de uma qualidade absoluta, ou de Neres, um ponta imaginativo e rematador, embora neste último caso continue pessoalmente a pensar que o insucesso de Cebolinha se ficou muito mais a dever à incompetência de quem o treinou do que à sua própria incompetência, e cá estarão os próximos anos para o confirmar ou desmentir.
Mentalidade! É nesta palavra que assenta o imediato sucesso de Roger Schmidt, embora ainda haja um longo caminho a percorrer para que ele se veja confirmado em títulos, afinal o garante único de um trabalho coroado de êxito.
Quem via a displicência como muitos dos actuais titulares deste Benfica vermelho-berrante se dispunham palidamente em campo na maioria dos jogos das últimas três épocas, não pode deixar de encarar a sua transformação como o corolário de um projecto de revolução de mentalidades. Já tivemos exemplos de algumas situações delicadas que o conjunto soube dominar, primeiro, e dar, depois, a volta, para percebermos que, aconteça o que acontecer daqui para a frente, muito dificilmente se desmoronará como grãos de areia quando o vento soprar com mais violência, e vêm aí bons testes para o confirmarmos – dois frente ao Paris Saint-Germain (5 e 11 de Outubro), visitas a Guimarães (1 de Outubro) e ao Porto (21 de Outubro).
De há muito que defendi, aqui nestas páginas, da necessidade de o futebol do Benfica ser entregue a alguém que soubesse manter-se longe do universo bafiento deste campeonatozinho nacional onde o medo impera, onde o ritmo é baixíssimo, as arbitragens submissas e a qualidade francamente rasteira. Um treinador estrangeiro fazia falta na Luz, desde que fosse alguém que compreendesse a enormidade interna do clube e respeitasse a sua digníssima história internacional. Schmidt teve a inteligência para dominar estas duas vertentes. Uma águia que quer voar de forma soberana no campeonato e não se deixar abater por medíocres adversários estrangeiros não pode estar amarrada a medos incompreensíveis como estava. Alan Parsons já dizia há muito tempo: fala-se muito sem nada para dizer. O alemão fala pouco e tem feito muito. Ao contrário do que estávamos habituados.